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domingo, 13 de dezembro de 2015

Der Seemann.




E
stou tão sozinha. Eu sinto frio, minha barriga dói, dói tanto, só não dói mais do que minha cabeça. Mas essas não eram as piores dores. Sentir-se sozinha ainda doía mais.
Estou casada, e molhada. Estou à deriva no imenso mar de água salgada agarrada a um pedaço de madeira para não afundar. Já chorei tanto que passo a achar que aquela imensidão azul se encheu só com as minhas lágrimas.
Estou tonta e enjoada pelo balanço continuo das ondas. Agarro-me ao pedaço de madeira com todas as forças que me restam, muito embora não sejam tantas, temo afundar a qualquer momento. Mas quase não me importo com isso, quase anseio por isso.
Não sinto mais minhas pernas. Minhas mãos além de casadas doem, a madeira a qual seguro era repleta de farpas que machucavam minhas mãos, mas eu a adorava. Eu amava aquele pedaço de madeira, afinal ele já estava comigo há tanto tempo, já havia passado tanta coisa com ele, além do que tinha lutado muito para consegui-lo. Eu estava mais sozinha antes dele, agora ele era minha única companhia. Mas mesmo assim segurá-lo me cansava.
Estava frio, e eu estava faminta. Uma parte de mim queria que eu afunda-se a outra agarrava com força a madeira. Vi o céu se aproximar e então descer, demorei a entender, que tinha sido uma enorme onda que passará por mim.
 Minha cabeça doía, havia uma parte dela me torturando, e eu estava enjoada. Mas aquela outra dor que sentia era a que mais doía, afinal eu estava sozinha. Aquela dor era pior por que não passava. Não importava o que fizesse ou quanto tempo passa-se a dor perdurava, essa dor era na minha cabeça. Essa dor era no meu peito, onde ela me sufocava, onde as vezes fazia ficar difícil respirar. Essa dor era na barriga, onde parecia chegar até as tripas como agulhas, agulhas geladas, pois meu estômago revirava como se ali estivesse um vento frio, um vento como o de outono. E também meu corpo, não o físico, mas aquele que parecia ter no meu interior, talvez fosse aquilo que outros chamassem de alma, bom não sei, mas ela doía profundamente. Era como se eu não tivesse forças para nada. Essa era a dor de se estar sozinha.
Eu queria descansar, e percebi que estava começando a afundar, e o pior não me importava...
─ Hey! ─ ouvi uma voz rouca ao meu lado, me assustei afinal estava sozinha. ─ Você por um acaso não é a morena de sotaque engraçado?
─ Olha? ─ eu pude sussurrar, olhei para a direção da voz, e identifiquei a figura de um barco, ele era pequeno, pouco maior que um bote, o casco era marrom de uma madeira velha. E no mastro tremulava uma vela, uma vela esfarrapada de cor negra. No convés de frente para mim estava um homem. Ele era velho, tinha ralos cabelos brancos uma barba mal feita de um castanho virando branco, seu rosto era velho e abatido, seu sorriso era cansado, seus olhas eram de duas cores, o da direita verde, o da esquerda castanho. Eles estavam tristes, me deram medo, mas eu sentia um pouco de afeto na maneira como ele me fitava ─ Não, sinto muito, acho que não sou.
─ O que faz aí sozinha? ─ ele me pergunta se apoiando em uma vara enorme que deveria ser seu cajado isso fazia ele parecer ainda mais velho.
─ Não sei, estou a deriva... acho.
─ Hm ─ o velho coça a cabeça depois a barba ─ Venha para o meu barco ─ ele me chama.
─ Hã? ─ respondo perdida me agarrando ao meu pedaço de madeira ─ não obrigada ─ ele me olha intrigado depois olha para o horizonte. ─ Venha, uma tempestade se levanta. E a noite se aproxima, vamos! Venha para o meu barco, você não precisa ficar aí sozinha. Aonde você vai assim tão sozinha? Eu me pergunto,  levada embora pela correnteza com certeza, venha entre no meu barco.
─ Já disse que não, desculpe, estou segura, tenho esse pedaço de madeira, ele já me ajudou muito e ainda me ajuda.
─ Você quem sabe, mas parece estar tão sozinha. Responda-me, quem segurará sua mão? Quando isso - ele indica minha madeira com o queixo barbudo ─ te afundar? ─ aquilo me encheu de raiva.
─ Para onde você vai? Marinheiro. Neste interminável mar gelado?  ─ minha pergunta o deixou assustado.
─ Não sei... ─ respondeu honestamente o homem do mar ─, mas a quero aqui, venha para o meu barco.
─ Por que eu faria isso? ─ perguntei, neste momento a madeira se virou e eu mergulhei na água, quase não consegui voltar, mas então senti duas mãos em meus ombros, o marinheiro me puxava para a superfície. Quando emergi  me desvencilhei de seu toque e lutei para chegar ao meu pedaço de madeira.
─ Desculpe, não queria te assustar, e não quero fazer-te mal, quero ajudar-te.
Eu senti verdade em sua voz, uma parte de mim queria ir com ele, à outra queria que eu ficasse agarrada a madeira, qual era a parte boa ou a má eu não sabia, estava muito confusa.
─ Responda-me, oh marinheiro, por que deveria ir com você? ─ perguntei, ele ficou em silêncio por um instante, um trovão ribombou no horizonte e ele começou a falar.
─ Venha para O meu barco... O vento de outono mantém as velas dele firmes, você não precisara se cansar em remar. Eu posso ver, um futuro em que você fica em um farol com lágrimas nos olhos, mas essas não seriam de tristeza. À essa hora o dia se inclina e o vento de outono varre a vida das estrelas. Eu sei que a luz do entardecer persegue as sombras, veja para mim o tempo está parado e o outono logo chegará! 
─ Você é muito filósofo meu caro Marinheiro e eu não entendi uma só palavra do que disse, diga-me por que iria com você, já que também não sabe para onde vai?
─ Venha para O meu Barco, pois sim eu não sei para onde vou, afinal não tenho  nenhum timoneiro  que não a saudade, se você não vier continuará sendo assim, mas se você vier você se tornará meu timoneiro, e juntos acharemos um caminho. Não posso prometer que será mais seguro em meu Barco, afinal sempre a uma tempestade, mas meu Barco me parece que iria agüentar melhor do que a esse pedaço de madeira seu. Veja houve um tempo em que o melhor marinheiro era eu, quem sabe eu volte a ser?
Sim eu queria ir, mas não podia, aquela parte que me segurava a madeira era muito forte, e eu tinha medo de confrontá-la.
─ Não ─ eu respondi ─ vou ficar bem aqui.
─ Bom se é assim que quer ─ ele endireita a postura com uma das mãos nas costas como para aliviá-las de alguma dor ─ não posso a forçar a nada, e bom você bem pode ver que estou velho e cansado de mais, não posso lutar por você, você tem que me ajudar para que eu possa lhe ajudar. ─ Ele responde e começou a remar com a sua vara, uma parte de mim queria gritar para que ele voltasse, ou que ele ficasse mais um pouco. Ou insistisse mais um pouco, mas também não podia o obrigar a nada, e ele parecia tão cansado, e eu não queria ser mais um problema para ele. No fim só fiquei o olhando partir. Uma névoa aos poucos escondia o barco, tinha a sensação de que ele remava para o caminho errado, afinal ele ia de encontro a tempestade, eu queria dizer algo, mas não disse.
No fim só ouvi sua voz rouca cantando alguma canção do mar enquanto o barco desaparecia, algo que de início não estendia:
"... Wo Willst du Hin....
 No fim eu fico sozinho... o tempo está parado e eu sinto tanto frio....
frio....
frio...".

A história do marinheiro.




E
stou à deriva na água, no meio do mar eu fico boiando ao prazer das ondas. Não faço ideia de como cheguei aqui, e não tenho forças ou esperança para dali sair. Meu corpo inteiro dói, posso sentir meus cabelos ensopados compridos e quebradiços por conta do sal da água grudados na minha face.
Minha boca está seca, minha garganta está seca, não sei se é de sede ou de tanto gritar. Meus olhos lacrimejam, culpo o sal da água, a luz o sol, mas nunca iria admitir que as lágrimas eram de tristeza.
Eu vejo sua imagem na luz do sol que me cega, levo a mão para fazer sombra.
─ Eu te amo! ─ sussurro com a voz rouca para o vento, minha mão se fecha e eu dou um murro na água ─ Eu não te amo mais! ─ eu grito para o nada ─ Eu não te amo mais, ou menos do que você tenha me amado, ou que você não tenha me amado, será que um dia você me amou? Já não tenho certeza, acho que não, pois se um dia o fez, por que me abandonou?
Eu fico em silencio ouvindo o som abafado das ondas em meus ouvidos, olhando para o céu azul, não havia nenhuma nuvem no céu. Meu corpo dói, todo ele, mas o que sinto é cansaço. Sinto uma dor me sufocar o peito, uma vontade imensa de gritar, mas mesmo ali no meio do nada não o faço, por vergonha de alguém me ouvir. Por isso reprimo esse grito, mas sinto que uma hora ele vai me sufocar.
Lembro agora do que me aconteceu, a menina mais bonita, morena da cor do chocolate, com seu jeito de menina com a cabeça de mulher adulta. Ela sofria, eu a queria, mas ela só queria ajuda. E isso eu lhe dei.
Não sei o que se passa, devo saber ser amigo de mulheres, afinal isso é o meu melhor Dom sou bom nisso, tão bom que acaba virando minha maldição, pois nenhuma consegue olhar-me diferente. Mas no fim, a menina mais bela não era mais bela.
Foram tantas caricias, o calor de suas mãos nas minhas, lembro-me disso, mas suas mãos quentes ficaram tão frias... No fim todos os relógios pararam. E eu me encontrava a deriva, o riso não era mais saudável, e em breve nada mais importaria. A penas a dor havia restado.
Mesmo depois de muito tempo, eu ainda procurava você atrás da luz. Sabia? Onde está você? Eu perguntava, mas eu mesmo a impedia de responder tapando meus ouvidos, Você me machucou, de mais, você sabia que eu estava quebrado, que me escondia para me proteger, mas mesmo assim uma a uma foi derrubando minhas defesas, para no fim rir do que eu era.
─ A eu não te amo mais ─ falei rindo ─ tampouco lhe odeio, o tempo me ensinou que apenas uma coisa é pior do que o ódio... A indiferença, e é isso que eu sinto por ti.
Eu a vejo claramente, e agora penso, que a menina mais bonita não era assim tão bela, suas mãos não eram quentes, eram frias. Me jogaram novamente a deriva no mar onde o tempo não passa.
Você me fez esperar em uma cama de espinhos, e eu tolo esperei, e dormia com uma faca sobe meu pescoço, mas paciente esperava. Agora sei que você não valia a pena.
─ Por favor, me sinto tão sozinho, e sozinho eu não quero mais ficar...
─ Parado ai é que você não vai mudar isso Uai! ─ uma voz engraçada falou perto de mim, eu levei um susto perdi a concentração e quase me afoguei.
─ Quem é você? ─ eu pergunto cuspindo água quando consigo voltar a superfície. Havia um barco ancorado ao meu lado. E na amurada do convés debruçada uma menina me olhava sorrindo, ela era igual a outra, mas eu sabia que era diferente.
─ Você fala engraçado ─ ela respondeu.
─ Falo nada ─ respondo ofendido ─ você é que fala igual uma coitada... Seu sotaque é que é engraçado.
─ Meu sotaque é Sexy ─ ela responde em um muxoxo ─ vamos o que faz ai parado, você não queria ficar sozinho eu lhe trouxe um barco para navegar, vamos venha a bordo.
─ Por que eu faria isso? Por que navegaria? Para onde eu iria? De que me adiantaria um barco se não tenho destino nenhum?
─ Hora, quem sabe este barco te leve até alguém que realmente valha a pena... Vamos, venha a bordo.
   



What I should have did.
O
 ônibus estava lotado, mas já esteve pior. Dei sorte, geralmente a está hora os ônibus em Curitiba mais parecem uma lata de sardinha; hoje pelo menos eu poderia respirar.
─ Eu te disse Andressa ─ eu falo para uma amiga que entra ao meu lado ─ Se eu perco um busão eu não fico preocupado ─ eu dou de ombros indiferente ao falar ─ Eu posso pegar outro busão, mas o busão não pode pegar outro eu!
─ Nossa cara ─ ela fala rindo e socando meu braço com uma força desnecessária pode-se dizer ─ você é muito idiota, você acha que sua vida brilha ao seu redor!
─ À quem diga isso... ─ eu a respondo rindo. Foi então que eu a vi, e por um momento tudo ao meu redor parou. Afinal eu havia visto um anjo.
No fundo do ônibus. Ela estava sentada com uma mochila no colo, seus cabelos eram vermelhos, sua pele alva, seus olhos negros. Ela sorriu para mim no ônibus. Sua camisa era cinza e estava estampada com a imagem da estrela da morte. Parecia triste e no mesmo instante tive vontade de abraçá-la e fazer com que aquela tristeza passa-se. Ela estava triste mesmo assim sorria, em certo ponto ela lembrava a mim mesmo, eu soube ali que ela era a única que poderia me entender. Ela não poderia existir, devia ser minha imaginação. Por isso a confundi com um anjo, e isso era verdade. Ela sorriu para mim no ônibus.
Ela estava com outro homem, pude ver pelo jeito que ele estava ao seu lado. Ele era loiro, e maior do que eu e estava com uma blusa com o capuz na cabeça. No momento que vi que ele estava com aquele anjo eu o odiei, afinal, sim estava frio, mas o ônibus estava fechado e qual é o motivo para se usar um capuz em carros e ônibus fechados? Pronto falei, Odiei o cara.
Então ela estava com outro cara? E daí não perderei meu sono por isso.
─ Deus como ela é linda! ─ eu sussurrei ─ você é linda. E isso é uma verdade.
Eu via o rosto dela em um lugar lotado, e eu não sabia o que fazer.
Quem sabe nos encontraríamos outro dia. Talvez ela passa-se por mim em uma rua do centro, ou no Shopping. Sim, ela iria chamar minha atenção, e nesta hora talvez ela pudesse ver em meu rosto que estaria voando alto. Muitas vezes me falaram que eu voava alto para evitar a estrada, mas acontece que adoraria que ela voasse ao meu lado.
O ônibus arrancou eu ainda paralisado tinha apenas uma consciência de que o tempo não havia parado. Meu coração martelava no peito. E eu não sabia o que fazer, foi neste momento então que pensei: “ Acho que não a verei novamente”, o pensamento me entristecia e me dava medo, mas eu podia ver pelo seu olhar que ela me entendia, que nós havíamos compartilhando um momento que durará até o fim.
De repente estávamos juntos, éramos amigos e era verdade ela estava triste. Era noite, ela dizia que estava confusa. Eu a olhava e queria ajudar, mas não podia. Eu a olhava e mesmo ali, eu não sabia o que fazer. Queria tocá-la, pousar minha mão em seu rosto para quem sabe lhe dar algum conforto. Queria abraçá-la, ela poderia chorar, mas eu estaria ali ao seu lado. Meu cérebro podia ver minha mão se movendo, mas meu corpo real não se movia, ele apenas a tudo assistia.
Talvez eu não fosse o homem certo para ela, mas com certeza queria fazer de tudo para ser, mas ela já tinha alguém, afinal ela estava com um outro homem. Tudo que podia fazer era ficar ali.
O tempo passava e a vontade de estar ao seu lado só aumentava, e com o tempo ela já era maior que tudo. Já pensava em inventar um outro mundo, lá onde não existiriam fronteiras. Minha cabeça era uma guerra, me via no meio de uma ponte. O caminho que pegará me levará até ali, eu acreditava que devia ter parado lá na frente onde via uma placa amarela e negra alertando “ Perigo”, mas não o tinha feito, afinal quem iria me impedir de andar em uma estrada? Aquilo era apenas uma placa.
Estava em uma ponte, o caminho era escuro, mas eu via o futuro e ele repetia ao passado. Eu sabia que iria acabar quebrando a cara, já conhecia aquela sensação de estar dando murro em ponta de faca.
Estava em uma ponte, eu sabia que o caminho era difícil, e que me machucaria, mas eu não tinha outra escolha. Quer dizer, até tinha outra escolha, mas não queria tomá-la, pois ela me machucaria igualmente e bom acho que a ela também, e isso era tudo o que eu não queria: Causar-lhe mais sofrimento, afinal ela já havia sofrido tanto. Não, eu não voltaria atrás, continuaria seguindo em frente.
Então era outra noite que se ia, ela ainda dizia que esta confusa, e que não tinha certeza de que eu realmente a queria. A como tive vontade de gritar o quanto a queria, de quanto ela era a única luz em minha vida, que talvez com ela sim minha vida fosse brilhante. Mas como falar que meu amor era puro se nem ao menos acredito que se trata disso? Afinal o que eu sei sobre isso? Talvez ela estivesse certa e era apenas meu extinto protetor que queria cuidar dela.
Anos passavam, nossas vidas aos poucos foram se ajeitando. Afinal sim nós merecíamos, em fim estávamos felizes, Bom ela estava; o que me deixava. Como todos disseram sua vida foi brilhante. Ela conseguiu tudo que quis, e como eu a disse uma vez, estava lá olhando seu voo do chão.
Sempre que ela se encontrou em uma situação que achou que não podia superar estive lá, a abraçava e dizia: “calma, eu tenho um plano” então depois de muito andar cheguei ao fim daquela ponte.
Ali em baixo de um poste de luz laranja ela pegou minha mão, eu já sabia o que seguiria, afinal já havia previsto aquele fim; a hora que Perceu deixaria a ilha. Ouvi o fim de uma musica chegando como eco da rua deserta: “La la la la la la la la la”
Ela me abraçou eu senti o calor de seu corpo junto ao meu, sua respiração em meu peito passei minha mão em seu cabelo, talvez ela estivesse chorando, e eu não queria a soltar, mas em fim o fiz. Ela foi falar alguma coisa eu a impedi com o indicador, ela tentou desviar o olhar, mas com minha mão em seu queixo a fiz fitar meus olhos.
Ela sorriu, o que fez minhas palavras serem mais difíceis de serem ditas.
─ Deve ser um anjo, com um sorriso no rosto. E eu realmente pensei que deveria ficar com você...
─ Hey, congelou ai? ─ Andressa me chamou me empurrando para frente.
─ É, chegou a hora de encarar a verdade... Eu nunca ficarei com você ─ de volta ao ônibus lotado eu sussurrei para ela que já estava abraçada com o outro cara ─ olha ali um lugar vago vamos sentar ali? ─ falei para Andressa então.
─ Tá muito na frente, mas tudo bem né, melhor do que ficar de pé, e pelo menos fica longe da entrada dos idosos...

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O conflito.




Ele olha para o espelho. Coisa que não costuma fazer, pois o reflexo lhe mostra algo que o desanima. Agora, no entanto, ele faz e ignorando todo o resto olha fixamente para seus olhos, aqueles olhos escuros pela maldição amarelos.  Com curiosidade ele olha, no fundo de seus olhos aquelas sombras que dançam. As sombras rodopiam e saltitam uma em direção a outra, e como em um passe de mágica, seja por visão de outras vidas ou a mera maldita imaginação, ele reconhece nelas dois homens.
A paisagem era deserta, o capim alto dançava com o vento. Era a beira de um precipício, a muitos metros abaixo havia uma plantação de trigo. Um homem sentava em uma rocha em meio ao capim, ele era Hankor o senhor daquelas terras. Foi com muita luta que conseguiu o domínio sobre elas, e com mãos de ferro a governava. Não era mau, não ao menos no sentido que dão a esta palavra, era apenas um produto  do bem; algo que foi transformado endurecido pelo fogo assim como o aço.
Lemore era seu vassalo, um dia isso já fora o contrário, mas a guerra sempre muda as coisas. Hankor deixava seu vassalo livre para governar a parte que lhe cabia de suas terras, mas as vezes a ambição crescia no âmago de Lemore, e Hankor tinha que intervir para não perder seu reinado. Hankor observava Lemore se aproximar no horizonte distante, ele conduzia seu cavalo em uma marcha lenta.
 Fazia muito tempo desde o último confronto. Mas eles eram até que frequentes. Hankor era como um pai e Lemore um filho arredio. No momento que Hankor decidia intervir ele não movia exércitos, tampouco seu rival o fazia, ambos concordavam que isso seria um desperdício de vidas, em vez disso quando Hankor se decidia um corvo entrava pela janela dos salões de Lemore o convocando para o duelo.
Agora o tilintar da armadura de Lemore era audível e ressoava seguindo o ritmo dos passos de seu cavalo. E então Hankor se levanta da pedra onde estava sentado. Ele usava sua armadura de combate completa, era toda tingida de pixe, negra como a mais escura pena de um corvo. Lemore também usava uma armadura, mas esta era prata e polida  a ponto de refletir a luz do sol. Usava também uma capa vermelha que caía pelo lombo do cavalo cinza. Ele parou a menos de dez metros de seu oponente e desmontou. O cavalo bem treinado saiu a galope para longe dos dois indo pastar mais ao longe.
─ Está atrasado ─ Hankor quebrou o silêncio olhando fixo para o outro, ele estava parado imóvel apoiando todo seu peso no cabo do machado de guerra de duas laminas que deixara em frente ao corpo.
─ Cheguei na hora que pretendia.  ─ Lemore respondeu com azedume. Então seguiu-se mais silêncio.
─ Faz tempo desde a última vez ─ Hankor começou ─, mas como sempre nos encontramos novamente aqui.
─ Desta vez será diferente.
─ Você não entende, não é? ─ Hankor murmurra lamentando.
─ O que?
─ Não entende que eu tento proteger-te? ─ Lemore ri alto ─ pobre criança, acha que é forte suficiente para as demandas do mundo?
─ Eu sei que sou. Maldito! ─ Lemore grita em resposta. Hankor sorri.
─ Seu estúpido, o mundo além de nossas fronteiras te fariam de lanche, você sabe que Não é páreo para eles, e mesmo assim abre a porta para os estrangeiros?
─Trouxe suas armas? ─ Lemore pergunta rangendo o maxilar. Hankor gira o machado pelos flancos do corpo ─ Isto? ─ Lemore gospe no chão em sinal de desprezo ─ uma arma de bárbaro.
─ Desta vez, como tu disseste serás diferente ─ Hankor fala apoiando o machado no chão novamente. ─ desta vez abrirei sua cabeça e colocarei juízo lá dentro de uma vez por todas.
─ Você poderá tentar ─ Lemore responde o desafio. Ele abre as grevas da ombreira deixando a capa cair do chão. Hankor fecha a viseira de seu elmo e antes que a capa de Lemore chegue ao chão os dois iniciam corrida.
Lemore desembainha a espada em meio à corrida. O aço extremamente afiado reflete o sol como sua armadura. A dois passos de se chocarem Lemore força o pé direito no chão como apoio leva a espada para trás e gira o corpo a trazendo para frente em um arco destinado a golpear seu oponente na barriga. Hankor para este golpe com a face do machado, faíscas saem do choque junto ao som do aço batendo em aço. Hankor é rápido com o machado e o gira atingindo Lemore no rosto com o cabo de salgueiro da arma, o oponente cambaleia para trás, mas Hankor não vai atrás.
Nenhum dos dois fala nada. Lemore gospe sangue e fecha a vizeira do elmo. Os dois começam a andar em círculos. Um avaliando o outro. Foram tantos duelos que um já sabia de cor o movimento do outro. Lemore era rápido, mas não calculava seus movimentos, ao contrário de Hankor que era o maior dos dois, e mais forte. Embora ambos tivessem habilidades parecidas o segundo sabia que Não podia competir em velocidade do outro. Hankor era forte, mas Lemore calculava que aquele machado devia pesar horrores até mesmo para ele, e logo se ele conseguisse evitar os golpes poderosos este iria se cansar.
Hankor cansado de esperar se aproximou para o próximo ataque gritando. Ele girou o machado em um golpe à frente e Lemore apenas se abaixou para desviá-lo, mas não teve nem tempo de contra-atacar, pois o cabo do machado já descia em direção a sua cabeça, desta vez ele desviou este golpe com a espada tirando lascas de madeira. Mais um golpe à esquerda e outro à direita os dois esquivados. Hankor então recuou, pois Lemore estava certo o machado era pesado e ele sabia que se continuasse assim logo se cansaria.
Foi então a vez de Lemore avançar, descrevendo golpes furiosos e rápidos que o homem na armadura negra quase não conseguia bloquear. A cada golpe uma praga. A respiração de Hankor já ficava pesada. Embora o sol estando baixo como estava e não fazendo muito calor naquela hora os dois suavam dentro das armaduras.
Lemore recuou três passos gargalhando, Hankor não o perseguiu apoiou o machado no chão e respirou por um momento calmamente.
─ Já cansou? Porco! ─ Lemore havia aberto a viseira do elmo para entrar um pouco de ar, pois não iria admitir, mas também estava cansado.
─ Eu ainda nem comecei ─ Hankor o responde, sua voz sai abafada por conta do elmo.
Lemore baixa a viseira e vai para outra sequência de golpes. Seu oponente o espera parado, se esquiva do primeiro golpe e bloqueia o segundo com a cabeça pesada do machado jogando a arma do rival para cima, a potência deste golpe foi tamanha que a espada quase escapa das mãos enluvadas de Lemore e antes que ele pudesse se recuperar o cabo de salgueiro do machado já o atingia nas costelas. O homem de armadura reluzente cambaleia gemendo sentindo a dor de pelo menos uma costela trincada.
Hankor vai atrás de Lemore com a intenção de acabar logo com aquilo, ele não queria dar a chance do oponente se recuperar. Ele leva o machado para um golpe que partiria o corpo de Lemore em dois, se tivesse o acertado, mas o outro consegue se esquivar. O machado nem termina um circulo completo quando seu dono faz com que ele volte em outro golpe potente. Lemore tenta bloquear este com a espada, mas o golpe é muito forte, e o sabre voa de suas mãos. Em contra partida o machado já descrevia outro circulo no ar, sem saída, Lemore joga o corpo para a direita afim de esquivar este golpe, que passa por ele sem o atingir. Lemore vê ali uma brecha e tenta golpear Hankor com o cotovelo, mas é impedido. O machado estava de volta e o golpeou novamente nas costas quebrando de vez sua costela partida.
Lemore rola no chão urrando de dor e lutando pelo ar. Hankor pausa o ataque.
─ Por que você ainda tenta? Quando é que você ira aprender a lição? ─ Hankor pergunta para o oponente que se contorce de dor ─ você nunca vai voltar ao que era. Eu não permitirei.
─ Calado! ─ Lemore resmunga entre os dentes, com o pouco de ar que consegue reunir, era como se tivesse uma faca cravada no peito, a cada respiração sentia uma pontada que lhe chegava até as tripas.
─ A única maneira de me derrotar é me matando, e sejamos francos, você não tem força para isto.
─ Se a morte é o preço ─ Lemore responde juntando todas suas forças e ignorando a dor se rasteja rapidamente para onde sua espada estava. Hankor vai atrás gargalhando, girando o machado nos flancos do corpo ─ é o que farei.
─ Como fará isso se nem ao menos consegue respirar? ─ Lemore fecha as mãos no punho da espada ─ vamos meu caro, renda-se; expulse ela de minhas terras e tudo voltara ao normal.
─ Nunca! ─ Lemore se levanta correndo, a adrenalina impede que ele sinta a dor e a luta recomeça.
Uma tempestade de golpes partem em direção a Hankor, cima; baixo; baixo direita; cima esquerda. A espada de Lemore é um borrão cintilante. Mas o machado de Hankor contra todas as possibilidades consegue a acompanhar embora ele vá perdendo terreno. Hankor finge estar assustado e sai correndo quando Lemore joga seu jogo de pés para a esquerda, seu temperamento impulsivo não o deixa perceber que se tratava de uma armadilha ─ afinal quem em sã consciência fugiria para a beira de um precipício? ─ e Lemore sai em perseguição a Hankor seduzido pela idéia de pegá-lo pelas costas, mas assim que os dois chegam nas rochas Hankor para subitamente e acerta com o cabo do machado na placa de peito de Lemore que cuspiu sangue na viseira fechada do elmo. Como um bom dançarino Hankor gira o corpo passando o machado rente ao chão. A cabeça curva do machado de duas faces se prende em um dos pés de Lemore que com um puxão do inimigo vem ao chão, seu elmo se desencaixa e rola no chão com o impacto da queda.
─ Renda-se! ─ murmurra Hankor, o homem caído não responde nada ─ renda-se ─ Hankor repete abrindo a viseira do elmo, mas ainda não tem resposta ─ renda-se ou morra! ─ Hankor levanta o machado, sem receber resposta alguma começa a descer a arma, Lemore bloqueia a lamina desta a poucos centímetros do próprio pescoço. O homem caído teve que segurar na lamina da ponta de sua espada para bloquear esse golpe o que abre um profundo corte em sua mão por onde o sangue escorre quente e pegajoso.
Hankor começa a pressionar a arma para baixo com o peso de seu corpo e Lemore começa a ceder. Sem esperança ele vira o rosto de lado, e é então que vê no horizonte, o sol se punha a oeste tingindo de vermelho o trigo de base dourada. Para alguns isso poderia servir de  mau agouro; poderia significar o sangue derramado na terra, mas para Lemore isso o lembrou da princesa que havia conhecido, lembrar da mulher que servira de gatilho para aquele duelo e isso lhe deu mais força.
Lemore cedeu um pouco fazendo com que Hankor se desequilibrasse com a pressão que exercia para baixo, e juntando toda a força que ainda restava em seu corpo forçou a espada em um arco para traz fez com que a arma do oponente saísse de suas mãos e caísse em direção as plantações de trigo lá em baixo. Antes que seu oponente se recuperasse do espanto e tentasse algo enquanto ele encontrava-se em uma posição vulnerável, Lemore chutou Hankor no peito que cambaleou para trás.
─ Acabou ─ Lemore falou ofegante enquanto se levantava ─ você está sem arma. Fique e morra como homem, ou corra e morra como um covarde.
─ Sua vista está cansada? ─ Hankor sorri nervoso tentando esconder o espanto de ter perdido seu machado para alguém caído, ele desembainha do sinto da espada um sabre curto. Quase comparável a uma faca de caça. Lemore gargalha.
─ Vai mesmo querer lutar com isso? De uma arma de bárbaro a uma de criança?
─ Para abater um meio morto ─ Hankor joga a faca de uma mão a outra testando o equilíbrio da arma ─ ela servirá.
Lemore recomeça a luta, sua espada longa agora é que tinha a vantagem, ele atacava de longe do alcance da faca de Hankor que só podia defender os golpes. Cima esquerda; baixo direita; um; dois; três. Lemore agora atacava de todos os lados, seu jogo de pés mudava da esquerda para a direita, e de novo para a esquerda desferindo golpes atrás de golpes, mas Hankor estava esquivando a todos. Lemore deu uma finta a esquerda e desceu a espada pela esquerda passando o fio do aço pela abertura do gorjal da armadura de Hankor que gritou de dor enquanto a espada mordia a carne. Lemore não desperdiçou a oportunidade jogou a espada para trás e a trouxe em um arco que atingiu o oponente no peito. O golpe fora com a base da espada, portando a armadura negra absorveu o impacto, mas Hankor teve que recuar quatro passos para trás.
Os dois se entreolharam por um momento. O sol a essa altura já havia se posto totalmente e as primeiras estrelas surgiam no céu. E os dois combatentes correram um na direção do outro. Ambos estavam de armadura de combate, mas não existe armadura que consiga parar o golpe certeiro da ponta de aço. Hankor sentiu primeiro, mas logo sua faca também penetrou a camada de aço da placa de peito da armadura de Lemore e os dois sentiram o aço frio penetrando o peito e perfurando o coração. Os dois homens sentiram o ar fugir de seus pulmões e o sangue quente do inimigo atingir-lhes a face.
Neste momento ele que observava tudo de um espelho, sentiu a falha em uma respiração, e sentiu algo no próprio rosto. E enquanto observava a lagrima rasgar o rosto, pensava quando é que ela iria virar sangue.