quinta-feira, 30 de abril de 2015

“As aventuras de um tímido, do garanhão, da lésbica, do sensível e de sua amiga gótica” Season 01 Capitulo Extraordinário – A Aventura Da morte da Democracia.

NOTA:Este capítulo não estava programado, mas como a história se passa "em tempo real" em Curitiba, e como a maior afronta a democracia do Estado se passou no ultimo dia 29, isso não poderia ficar de fora da historia, vou ter que fazer algumas mudanças no capitulo " A aventura da classe Proletária" que se passa um dia depois (no dia 30), mas não tinha como deixar isso passar, esse capitulo ainda está bruto, farei algumas alterações nele também quando tiver mais tempo, mas que quiser lê-lo, eu terminei agora a pouco, tinha que estravazar minha revolta de algum jeito, ele é um pouco diferente dos outros capítulos afinal não a espaço para comédia no episodio apesar do circo que o governador vem armando em cima disto:

29/04/15 perto das 13h.
- Nando-
— Ué vai aonde? — Daiane me perguntou quando passo pela sala.
— Vou até o centro cívico! — respondo.
— Que diabos você vai fazer lá? Não viu o que aconteceu ontem? — Marlon fala.
— Hoje vai ser diferente, mandaram tirar o cerco a ALEP — respondo.
— Mandaram, mas não tiraram! — Ane responde — eu vi na TV, Nando Isso não vai prestar — ela murmura — você já não pediu a conta na construtora? Amanhã não vai ir no escritório do Marcelo para pedir emprego? Fica e descansa hoje aqui! Assiste um pouco de TV! — eu olho para a tela da televisão, por coincidência o jornal está repedindo as imagens do que se passou na manhã de ontem, manifestantes tentando tirar a viatura que bloqueava a via publica e a policia despejando spray de pimenta na cara dos manifestantes.
— Como é que eu vou ficar em casa enquanto esta acontecendo tudo isso lá fora? — pergunto.
— Eu consigo — Marlon murmura dando de ombros —  A deixa ele — Marlon fala para Ane, quase a agradeço, mas daí ele continua — ele deve estar precisando de nota!
— Não é nada disso — respondo frustrado — vou justa mente para que isso — eu aponto para a TV — não se repita!
— No que você poderia ajudar? — Marlon ri — se o choque descer criança, tu vai apanhar.
— Não! é justamente isso, ontem eles desceram por que não havia muita gente lá na praça, eu vou para fazer volume, ouvi dizer que estão barrando a passagem dos ônibus do pessoal que vem do interior se juntar aquele que estão acampados na praça — respondo — hora, se os do interior não conseguem chegar, nós que estamos aqui na capital temos que nos unir a eles! — eles me olham sem piscar em uma total imagem de desinteresse — na verdade vocês deveriam vir comigo, apoiar os professores — nenhuma reação — a qual é vocês nunca tiveram professores na vida?
— Sabe — Daiane se espreguiça — não acordei com um espírito revolucionário hoje.
— Também não — Marlon concorda olhando para a janela — e ainda está frio e chuviscando!
Eu não falo mais nada, saio do apartamento e faço questão de bater a porta ao fazer.
***
Centro Cívico Curitiba – PR, 14:30
— Daí cara — Bruno está ao meu lado, ele estuda comigo, combinamos de nos encontrar ali, belo plano, havia tanta gente que nós quase nos desencontramos — pensei que não tinha vindo — ele me fala, é muito difícil de ouvi-lo, muitos gritos — aqui ta meio parado! — ele grita ao meu ouvido — estamos no início da avenida — vamos lá para frente! Lá ta mais movimentado!
Eu concordo, estamos muito próximos do carro de som, aquilo estava me dando dor do ouvido, avançamos pelo meio da multidão, ouvimos muitos gritos de “FORA BETO RICHA”, pelo caminho. Demoramos quase meia hora para chegar a praça, onde alguns professores estavam acampados. Reparo pela primeira vez na assembléia. Quando cheguei ali fiquei sabendo que o cerco continuava, um absurdo sem tamanho, mas Ane tinha razão, grades cercavam o prédio da assembléia legislativa do Paraná, a casa do povo esta presa, policiais militares faziam um cordão de isolamento logo atrás das grades, lembrei de um vídeo que havia visto ontem na internet os professores dando Bom dia para eles quando chegavam para ocupar a praça, estava vendo de muito longe ainda, mas não conseguia acreditar que aquele cordão que via em fotos estava realmente ali.
— Aqui já está bom — Gritei para bruno, ele olhou para mim, falou algo, mas não consegui ouvir, ele fez uma careta e veio mais para perto de mim e gritou.
— Daqui não da nem para ver o helicóptero!
— Helicóptero! — repeti — por que diabos um helicóptero estaria aqui perdeu o juízo cara? 
— Não ficou sabendo? — ele respondeu — o governador mandou um helicóptero vir para cá, acho que ele esta com medo do povo invadir o palácio ele ter que fugir! Ele deve estar por aqui em algum lugar! — bruno recomeça a andar olhando para os lados procurando algo.
— Estão começando a votação! — ouvi uma mulher falando do carro de som — Estão começando a votação! — repetiu ela — fomos impedidos de acompanhar a votação das galerias da ALEP — ela falava, ouvi vaias de todos, muita gente gritando, uma confusão.
— Cara olha lá! — bruno gritou por cima dos ombros — parece que o bicho começou a pegar lá na frente! — ele sai correndo eu vou atrás dele, consigo ver o que ele se referia um empurra, empurra começava mais para frente, parece que alguém estava tentando pular a grade os policiais empurravam quem tentava pular e desferia golpes de cassetetes em que tentasse se aproximar novamente.
— Bruno! — gritei, ele não me ouviu, os professores lá da frente chamavam outros para forçar o cerco, eu corri e puxei bruno pela alça da mochila — vamos ficar por aqui mesmo cara — eu falo estamos em um campo aberto a uns cem metros de onde acontece o empurra, empurra.
— Qualé nós não viemos para ajudar? — ele me responde.
— A votação começou! — gritava o carro de som.
— Viemos apoiar os professores, mas eu não estou afim de levar uma cacetada na cara — eu respondo olhando para frente, o bloqueio havia sido quebrado, as grades estavam sendo arrancadas, os policiais recuavam desferindo golpes a torto e a direito — tenho uma entrevista de emprego amanhã, não posso ir machucado!
— O clima começa a esquentar agora aqui na frente da assembléia — um repórter passa ao meu lado falando ao microfone — os manifestantes romperam o cordão de isolamento da policia militar!
BAM!
Ouço uma explosão vinda lá da frente o repórter está no chão, manifestantes correm alguns de volta outros mais para perto da assembléia, fumaça se ergue e se espalha rápido pelo ar, meu rosto começa a arder.
— Puta que pariu! — eu grito — nós ficamos muito perto cara! — eu grito para bruno.
Ouço algo vindo do carro de som, mas não entendo o que é meus tímpanos estão zunindo por conta da explosão, vejo gente gritando e correndo, meu coração começa a bater no peito tão forte que chega a doer.
“BAM” “BAM” “BAM” ”BAM” “BAM” “BAM”...
Por um segundo acho que são as batidas de meu coração, meu sangue gela quando me dou conta que não é, penso que são explosões, mas são mais fracas.
— O choque ta descendo! — bruno grita saindo correndo, ele já esta com a camiseta protegendo as vias aéreas.
Então reconheço, não são explosões, já havia ouvido algo parecido em minha imaginação enquanto lia, Bernard Cornwell descrevendo batalhas medievais onde guerreiros marchavam batendo lanças em escudos de madeira, mas desta vez não era imaginação. O choque avançava marchando, com seus cassetetes batendo em seus escudos em ritmo militar.
“BAM” “BAM” “BAM” ”BAM” “BAM” “BAM”...
— Recuem! — ouvi a voz do carro de som desta vez de um homem — não enfrentem! Recuem! Não estamos aqui para apanhar do choque! Recuem! Não joguem nada! Levantem as mãos! Recuem!
Muitos começaram a correr, para trás, para o lado, mas ninguém para frente. Muitos se mantinham parados no meio da rua de mãos levantadas. Vi uma pessoa caindo no asfalto, na certa atingido por uma bala de borracha.  Mais explosões e tiros, topei com uma arvore e se escondi atrás dela, bruno ficou ao meu lado.
— Acho que posso dar adeus a ideia de ir inteiro para aquela entrevista amanhã — falo olhando para a cena a minha frente.
— Fica tranquilo cara — bruno responde — o choque só vai refazer o cordão, viu quanta gente tem aqui? O governador não é louco de mandar a policia descer o cacete em todo mundo!
Uma moça vem correndo com uma mascara no rosto, ela esta mancando, e, quando chega mais perto, reparo que a mascara não serviu de muita coisa, ela tossia violentamente!
— Você está bem? — pergunto quando ela fica ao nosso lado.
— Eles estão loucos! — ela gritou rouca em resposta.
O batalhão de choque continuava a vir da assembléia, agora paravam de marchar quando estavam mais próximos dos manifestantes que continuavam na rua pararam de marchar e avançavam de vagar atrás dos escudos.
— Isso vai virar uma chacina! — a moça continuou ainda rouca, então se converteu em um espasmo de tosse.
— Sem violência! — gritava o homem do carro de som — nós não estamos armados! Recuem! Não enfrentem! sem violência comandante! Por favor nós não somos criminosos! Somos trabalhadores!
Vi uma mulher correr em direção a formação do choque, e sentar-se no asfalto um pouco a frente, ela fez sinal para que outros se juntassem a ela, mas não ouve tempo para isso, um soldado saiu da formação, ergueu o escudo por cima da cabeça da mulher e desceu dando um golpe que a atingiu nas pernas.
— Que é isso! — gritei revoltado, enquanto ele continuava a desferir mais golpes, a formação logo se fechou ao redor do agressor e sua vitima, o soldado puxou a mulher e a arrastou para dentro da formação, e a parede de escudos se fechou — que absurdo! — gritei.
— Canalha! — ouvi bruno gritar também.
— Covardes! — ouvia do carro do som — sem violência! Nós educamos seus filhos! Sem violência!
Os professores recuavam, os policiais avançavam, as bombas explodiam, as balas voavam. A fumaça que impregnava o ar tornava difícil a respiração.
“ TÁ-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ...”
Ouvi um som por cima de tudo, ele continuava, o vento se agitou, folhas voavam da arvore que usávamos de abrigo, olhei para cima.
— Ai está o seu helicóptero! — falei para bruno apontando para o céu.
— Ué o governador já ta fugindo? — ele perguntou.
— Não — ouvi a resposta da moça ao nosso lado — o sacana está vendo tudo do alto do palácio Iguaçu! — ela nos mostrou uma foto no celular, era do facebook, alguma tal de Lucy tinha postado o link de uma manchete do portal Paraná. A pagina se atualizou e li outra manchete, com a foto de um homem com a mão sangrando, a manchete dizia “ Deputado mordido por cão da PM ao tentar sair da assembléia”.
— Acho que temos a resposta do que os helicópteros vieram fazer aqui então — Bruno começa a falar.
— Os? — pergunto confuso, a ardência nos olhos aumenta.
— Tem dois — ele aponta para o alto, eu olho para onde ele esta apontando e vejo que dois helicópteros descem fazendo vôos rasantes, e despejam bombas de gás no meio da multidão.
— Não acredito que isso está acontecendo — murmuro para mim mesmo. Uma bomba explode ao meu lado, Bruno cai ao chão com o rosto sangrando e gritando de dor, estilhaços da bomba acertaram o rosto dele — você está bem? — pergunto, ele está com o rosto sangrando e esta gritando que pergunta idiota foi a minha.
— Temos que sair daqui — ele grita em resposta.
— Você consegue andar? — pergunto a ele que se levanta.
Mais pessoas passam correndo por onde estávamos, muitas sangrando, machucadas, vi um professore que um dos olhos estava inchado e de um tom vermelho escuro que me deu arrepios.
O ar estava cheio de gás lacrimogêneo e de pimenta, mas os olhos que lacrimejavam em todos ali, não era por isso. Não vivi na ditadura militar, mas me senti em uma, “ e foi assim que no centro Cívico da capital morreu a democracia do estado” pensei.
Mais bombas explodiram ao meu redor, Bruno se levantou gritando de dor, a moça que estava ali ao nosso lado o ajudou o segurando de um lado eu de outro, os policiais continuaram avançando, vi muitas pessoas caindo no chão vitimas de balas de borracha na certa, meu corpo ficou instável como o clima de Curitiba, fervilhou, com a raiva que sentia, ficou frio logo depois com o medo que as explosões causaram, depois fervilhou novamente ainda pelo medo que sentia.
— Ai droga, isso realmente dói — bruno praguejou  — por falar nisso, qual é o seu nome? — ele perguntou para a moça que o ajudava.
— Bruna — ela falou ainda com a voz rouca.
— Não me diga! — ele riu, depois gritou novamente, o sangue escorria por sua face — vamos logo sair daqui, acho que posso correr obrigado.
— Tem certeza? — perguntei.
— Sim! Corram! — ele iniciou a corrida e nos puxou junto, um soldado que batia em um manifestante a dez metros de nós resolveu mudar de alvo e veio atrás de nós.
— Sem violência! — gritava os auto-falantes do carro de som — nós não estamos mais na frente da assembléia — a mulher voltara a falar no microfone, e implorava para que parassem o ataque. Mas a policia continuava.
O ar estava nublado de fumaça, meus pulmões já quase não conseguiam tragar o oxigênio minha visão estava turva, a pele queimava, os olhos lacrimejavam, e os tiros continuavam, passamos por diversas pessoas ajoelhadas em sinal de rendição, então aquela dor.
— Ai Caral** — gritei ao cambalear para frente, senti uma dor na coxa e esfolei minha Mão na queda.
— Fernando! — Bruno voltou para me ajudar.
— Ai! — agora era minha vez de gritar de dor, eu sentei no chão e agarrei minha coxa, havia um rasgo na parte de trás da calça, minha mão tocou a parte dolorida, um espasmo viajou por todo o sistema nervoso e chegou a cérebro,  olhei meus dedos estavam sujos de sangue.
— Bala de borracha cara — bruno puxou meu braço para que eu levantasse — vamos temos que sair daqui, vamos ser pisoteados pelos caras se não sairmos.
— Sem violência, por favor! — gritava a voz do auto-falante — deixem as ambulâncias passarem!
Levantei, senti uma dor terrível ao apoiar a perna direita no chão, mas corri mesmo assim.  Pessoas passavam de um lado a outro, a rua era um terror.
— Para lá — gritou Bruno ao passar por um grupo de pessoas que voltavam para a praça — não adianta ficar aqui, temos que sair daqui!
— Ir para onde? — respondeu um homem do grupo — estamos encurralados, estão jogando bombas de todos os lados! Dos helicópteros, de cima dos prédios... — uma explosão ali perto nos impediu de ouvir o que ele dizia. Senti uma garoa fina começar a cair, depois um jato de água, foi quando percebi que o batalhão de choque já estava quase em cima de nós e o caminhão blindado que vinha atrás despejava água para cima de nós.O grupo de pessoas continuaram seu caminho, nós o nosso.
— Para onde vamos? — perguntei para Bruno, estava se esforçando para acompanhar o ritmo de corrida dele, sentia o sangue escorrer por minha perna.
— Ali — ele apontou para um ponto de ônibus perto de onde estávamos.
— Está louco? — falei para ele —ficaremos encurralados lá.
— Cara, olha em volta! Você mesmo ouviu, não temos para onde ir, e você vai perder a perna se continuar a correr de um lado para outro, precisamos de um abrigo.
— Entra! Entra! — gritavam as pessoas lá de dentro do ponto, era um dos pontos de ônibus de vidro preto da capital, em um formato de cilindro deitado, não sei como consegui pular a catraca, mas consegui lá dentro o ar estava mais puro, haviam pelo menos cinco pessoas ali dentro, e algumas choravam.
— Vocês estão feridos? — perguntou um homem quando nós entramos.
— Nada muito grave — respondi lutando para manter a voz firme — levei um tiro de borracha na coxa.
— Um estilhaço me acertou a cara — Bufou bruno ao meu lado.
As bombas continuavam do lado de fora, quase não conseguia ver nada do lado de fora do ponto de ônibus.
— Ai que raiva — murmurou Bruna, batendo na própria coxa de frustração — “A bomba é lá fora, o que acontece lá fora é problema da secretaria de segurança publica não desta assembléia, nós continuamos a votação” diz o presidente da casa... — ela lê de seu celular mais um post do facebook.
— Esses miseráveis — falou o homem que estava ao nosso lado — querem pegar o nosso dinheiro ao custo do nosso sangue! — ele dá as costas para nós e vai para o outro canto da sala acalmar uma das mulheres que soluçava desesperada.
Via pessoas passando correndo pelo ponto em desespero, ouvia tiros, explosões e  sirenes, e os gritos de clemência do carro de som, os helicópteros que continuavam a sobrevoar o centro, aquilo parecia uma cena de guerra, ou melhor um massacre.
— Eles estão vindo! — gritou Bruna desesperada — eles estão vindo! — soldados do choque desciam a rua e estavam próximos ao ponto onde estávamos, atiravam para todos os lados.
— Calma guria — Bruno a abraçou — eles não são monstros, não vão entrar aqui — ele falou seguro, mas me olhou com incerteza.
No fim ele teve razão os soldados passaram por nós sem fazer nada, mas um minuto depois o vidro se rachou em um estouro, todos gritaram de susto, algo caiu no chão rolando.
— Uma bola de gude! — Bruno reconheceu — a borracha acabou seus desgraçados? — ele gritou para ninguém.
— Meu deus, quando isso vai acabar? — perguntei para mim mesmo.
— Esses miseráveis, dão sorte que são professores ai fora! — murmurou Bruno — duvido que outro tipo de cidadão iria ter o sangue frio de não reagir em uma situação como esta — eu concordei — você veio no protesto de junho? — ele me perguntou.
— Não, eu não morava aqui ainda — respondi.
— Quando a policia veio para cima de nós, nós só revidemos, eu tenho orgulho da dignidade desses professores ali fora, mas acontece que neste país, não adianta fazer protesto pacifico, tudo acaba em sangue, se bem que daquela vez tão nada mudou igual— ele deu de ombros — a democracia é algo que só existe no papel mesmo.
Lá fora a confusão continuava.
— Comandante, o gás está se espalhando pela região, já atingiu uma creche aqui perto, reforçamos o pedido! Parem com essa loucura! Parem com essa violência! — a mulher no carro de som continuava a falar, e as bombas também não cessavam.
***
— Ai meu deus Nando! — Ane me recebe quando passo pela porta do apartamento — que bom que chegou, eu estava preocupada, você está bem?
— Não — respondi a ela, tinha passado no pronto socorro e tinham feito um curativo na minha perna, mas não era a isso que eu me referia — estou com o espírito quebrado.
— Ai Jesus — Marlon vem logo atrás de Ane — nós vimos tudo pela TV, o que foi aquilo!
— Um massacre — respondi — foi isso que foi.
— Você está sangrando? — perguntou Ane, Marcelo passou a frente dela e de Marlon, parecia preocupado, colocou o dedo na mancha de sangue seco no meu couro cabeludo.
— Não, nossa, acho que essa é a primeira vez que você chega em casa sujo de sangue e o sangue não é seu! — eu bato na mão dele, e vou mancando até o sofá, eles me seguem — Cara você ta um bagaço — meu primo continua — se esqueceu que amanhã você tem uma entrevista de emprego?
— Pode ficar tranquilo — respondo para ele — eu só apanhei do pescoço para baixo, como você disse esse sangue não é meu, estou inteiro para amanhã.
— Então — Ane começa — como foi ser revolucionário? Doeu muito as cacetadas? — eu a olhei sério.
— O que doeu mais foi o peito, foi ver como os professores são tratados neste estado — eu comecei a falar — ver pessoas apanhando da policia sem ter feito nada de errado, nunca tive problema com a policia, nunca nem fui revistado, se um dia tiver filhos, como vou falar que a primeira vez que apanhei da policia foi defendendo algo que era certo?
“ Não quero ser professor, mas imagino como é que aqueles que estavam naquele campo de guerra hoje vão entrar na sala de aula, e falar de justiça e democracia se passaram por tudo isso! Penso que o dever do educador não é dizer o que o aluno deve pensar, mas ajudá-lo a pensar por si próprio, agora me diga como é que o professor vai fazer isso sabendo que neste pais é melhor ser ignorante! Pois se você parar para pensar você irá passar raiva ao saber de tudo o que está errado e por nunca ver nada mudar! E pior, se você vai cobrar mudanças, você é tratado como lixo! Como marginal!”
“ Olha, meu vocabulário não é tão pobre assim, mas ainda assim não tenho palavras para descrever o que estou sentindo, um misto de indignação, revolta, raiva e acima de tudo, tristeza”.
    
   

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