sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O conflito.




Ele olha para o espelho. Coisa que não costuma fazer, pois o reflexo lhe mostra algo que o desanima. Agora, no entanto, ele faz e ignorando todo o resto olha fixamente para seus olhos, aqueles olhos escuros pela maldição amarelos.  Com curiosidade ele olha, no fundo de seus olhos aquelas sombras que dançam. As sombras rodopiam e saltitam uma em direção a outra, e como em um passe de mágica, seja por visão de outras vidas ou a mera maldita imaginação, ele reconhece nelas dois homens.
A paisagem era deserta, o capim alto dançava com o vento. Era a beira de um precipício, a muitos metros abaixo havia uma plantação de trigo. Um homem sentava em uma rocha em meio ao capim, ele era Hankor o senhor daquelas terras. Foi com muita luta que conseguiu o domínio sobre elas, e com mãos de ferro a governava. Não era mau, não ao menos no sentido que dão a esta palavra, era apenas um produto  do bem; algo que foi transformado endurecido pelo fogo assim como o aço.
Lemore era seu vassalo, um dia isso já fora o contrário, mas a guerra sempre muda as coisas. Hankor deixava seu vassalo livre para governar a parte que lhe cabia de suas terras, mas as vezes a ambição crescia no âmago de Lemore, e Hankor tinha que intervir para não perder seu reinado. Hankor observava Lemore se aproximar no horizonte distante, ele conduzia seu cavalo em uma marcha lenta.
 Fazia muito tempo desde o último confronto. Mas eles eram até que frequentes. Hankor era como um pai e Lemore um filho arredio. No momento que Hankor decidia intervir ele não movia exércitos, tampouco seu rival o fazia, ambos concordavam que isso seria um desperdício de vidas, em vez disso quando Hankor se decidia um corvo entrava pela janela dos salões de Lemore o convocando para o duelo.
Agora o tilintar da armadura de Lemore era audível e ressoava seguindo o ritmo dos passos de seu cavalo. E então Hankor se levanta da pedra onde estava sentado. Ele usava sua armadura de combate completa, era toda tingida de pixe, negra como a mais escura pena de um corvo. Lemore também usava uma armadura, mas esta era prata e polida  a ponto de refletir a luz do sol. Usava também uma capa vermelha que caía pelo lombo do cavalo cinza. Ele parou a menos de dez metros de seu oponente e desmontou. O cavalo bem treinado saiu a galope para longe dos dois indo pastar mais ao longe.
─ Está atrasado ─ Hankor quebrou o silêncio olhando fixo para o outro, ele estava parado imóvel apoiando todo seu peso no cabo do machado de guerra de duas laminas que deixara em frente ao corpo.
─ Cheguei na hora que pretendia.  ─ Lemore respondeu com azedume. Então seguiu-se mais silêncio.
─ Faz tempo desde a última vez ─ Hankor começou ─, mas como sempre nos encontramos novamente aqui.
─ Desta vez será diferente.
─ Você não entende, não é? ─ Hankor murmurra lamentando.
─ O que?
─ Não entende que eu tento proteger-te? ─ Lemore ri alto ─ pobre criança, acha que é forte suficiente para as demandas do mundo?
─ Eu sei que sou. Maldito! ─ Lemore grita em resposta. Hankor sorri.
─ Seu estúpido, o mundo além de nossas fronteiras te fariam de lanche, você sabe que Não é páreo para eles, e mesmo assim abre a porta para os estrangeiros?
─Trouxe suas armas? ─ Lemore pergunta rangendo o maxilar. Hankor gira o machado pelos flancos do corpo ─ Isto? ─ Lemore gospe no chão em sinal de desprezo ─ uma arma de bárbaro.
─ Desta vez, como tu disseste serás diferente ─ Hankor fala apoiando o machado no chão novamente. ─ desta vez abrirei sua cabeça e colocarei juízo lá dentro de uma vez por todas.
─ Você poderá tentar ─ Lemore responde o desafio. Ele abre as grevas da ombreira deixando a capa cair do chão. Hankor fecha a viseira de seu elmo e antes que a capa de Lemore chegue ao chão os dois iniciam corrida.
Lemore desembainha a espada em meio à corrida. O aço extremamente afiado reflete o sol como sua armadura. A dois passos de se chocarem Lemore força o pé direito no chão como apoio leva a espada para trás e gira o corpo a trazendo para frente em um arco destinado a golpear seu oponente na barriga. Hankor para este golpe com a face do machado, faíscas saem do choque junto ao som do aço batendo em aço. Hankor é rápido com o machado e o gira atingindo Lemore no rosto com o cabo de salgueiro da arma, o oponente cambaleia para trás, mas Hankor não vai atrás.
Nenhum dos dois fala nada. Lemore gospe sangue e fecha a vizeira do elmo. Os dois começam a andar em círculos. Um avaliando o outro. Foram tantos duelos que um já sabia de cor o movimento do outro. Lemore era rápido, mas não calculava seus movimentos, ao contrário de Hankor que era o maior dos dois, e mais forte. Embora ambos tivessem habilidades parecidas o segundo sabia que Não podia competir em velocidade do outro. Hankor era forte, mas Lemore calculava que aquele machado devia pesar horrores até mesmo para ele, e logo se ele conseguisse evitar os golpes poderosos este iria se cansar.
Hankor cansado de esperar se aproximou para o próximo ataque gritando. Ele girou o machado em um golpe à frente e Lemore apenas se abaixou para desviá-lo, mas não teve nem tempo de contra-atacar, pois o cabo do machado já descia em direção a sua cabeça, desta vez ele desviou este golpe com a espada tirando lascas de madeira. Mais um golpe à esquerda e outro à direita os dois esquivados. Hankor então recuou, pois Lemore estava certo o machado era pesado e ele sabia que se continuasse assim logo se cansaria.
Foi então a vez de Lemore avançar, descrevendo golpes furiosos e rápidos que o homem na armadura negra quase não conseguia bloquear. A cada golpe uma praga. A respiração de Hankor já ficava pesada. Embora o sol estando baixo como estava e não fazendo muito calor naquela hora os dois suavam dentro das armaduras.
Lemore recuou três passos gargalhando, Hankor não o perseguiu apoiou o machado no chão e respirou por um momento calmamente.
─ Já cansou? Porco! ─ Lemore havia aberto a viseira do elmo para entrar um pouco de ar, pois não iria admitir, mas também estava cansado.
─ Eu ainda nem comecei ─ Hankor o responde, sua voz sai abafada por conta do elmo.
Lemore baixa a viseira e vai para outra sequência de golpes. Seu oponente o espera parado, se esquiva do primeiro golpe e bloqueia o segundo com a cabeça pesada do machado jogando a arma do rival para cima, a potência deste golpe foi tamanha que a espada quase escapa das mãos enluvadas de Lemore e antes que ele pudesse se recuperar o cabo de salgueiro do machado já o atingia nas costelas. O homem de armadura reluzente cambaleia gemendo sentindo a dor de pelo menos uma costela trincada.
Hankor vai atrás de Lemore com a intenção de acabar logo com aquilo, ele não queria dar a chance do oponente se recuperar. Ele leva o machado para um golpe que partiria o corpo de Lemore em dois, se tivesse o acertado, mas o outro consegue se esquivar. O machado nem termina um circulo completo quando seu dono faz com que ele volte em outro golpe potente. Lemore tenta bloquear este com a espada, mas o golpe é muito forte, e o sabre voa de suas mãos. Em contra partida o machado já descrevia outro circulo no ar, sem saída, Lemore joga o corpo para a direita afim de esquivar este golpe, que passa por ele sem o atingir. Lemore vê ali uma brecha e tenta golpear Hankor com o cotovelo, mas é impedido. O machado estava de volta e o golpeou novamente nas costas quebrando de vez sua costela partida.
Lemore rola no chão urrando de dor e lutando pelo ar. Hankor pausa o ataque.
─ Por que você ainda tenta? Quando é que você ira aprender a lição? ─ Hankor pergunta para o oponente que se contorce de dor ─ você nunca vai voltar ao que era. Eu não permitirei.
─ Calado! ─ Lemore resmunga entre os dentes, com o pouco de ar que consegue reunir, era como se tivesse uma faca cravada no peito, a cada respiração sentia uma pontada que lhe chegava até as tripas.
─ A única maneira de me derrotar é me matando, e sejamos francos, você não tem força para isto.
─ Se a morte é o preço ─ Lemore responde juntando todas suas forças e ignorando a dor se rasteja rapidamente para onde sua espada estava. Hankor vai atrás gargalhando, girando o machado nos flancos do corpo ─ é o que farei.
─ Como fará isso se nem ao menos consegue respirar? ─ Lemore fecha as mãos no punho da espada ─ vamos meu caro, renda-se; expulse ela de minhas terras e tudo voltara ao normal.
─ Nunca! ─ Lemore se levanta correndo, a adrenalina impede que ele sinta a dor e a luta recomeça.
Uma tempestade de golpes partem em direção a Hankor, cima; baixo; baixo direita; cima esquerda. A espada de Lemore é um borrão cintilante. Mas o machado de Hankor contra todas as possibilidades consegue a acompanhar embora ele vá perdendo terreno. Hankor finge estar assustado e sai correndo quando Lemore joga seu jogo de pés para a esquerda, seu temperamento impulsivo não o deixa perceber que se tratava de uma armadilha ─ afinal quem em sã consciência fugiria para a beira de um precipício? ─ e Lemore sai em perseguição a Hankor seduzido pela idéia de pegá-lo pelas costas, mas assim que os dois chegam nas rochas Hankor para subitamente e acerta com o cabo do machado na placa de peito de Lemore que cuspiu sangue na viseira fechada do elmo. Como um bom dançarino Hankor gira o corpo passando o machado rente ao chão. A cabeça curva do machado de duas faces se prende em um dos pés de Lemore que com um puxão do inimigo vem ao chão, seu elmo se desencaixa e rola no chão com o impacto da queda.
─ Renda-se! ─ murmurra Hankor, o homem caído não responde nada ─ renda-se ─ Hankor repete abrindo a viseira do elmo, mas ainda não tem resposta ─ renda-se ou morra! ─ Hankor levanta o machado, sem receber resposta alguma começa a descer a arma, Lemore bloqueia a lamina desta a poucos centímetros do próprio pescoço. O homem caído teve que segurar na lamina da ponta de sua espada para bloquear esse golpe o que abre um profundo corte em sua mão por onde o sangue escorre quente e pegajoso.
Hankor começa a pressionar a arma para baixo com o peso de seu corpo e Lemore começa a ceder. Sem esperança ele vira o rosto de lado, e é então que vê no horizonte, o sol se punha a oeste tingindo de vermelho o trigo de base dourada. Para alguns isso poderia servir de  mau agouro; poderia significar o sangue derramado na terra, mas para Lemore isso o lembrou da princesa que havia conhecido, lembrar da mulher que servira de gatilho para aquele duelo e isso lhe deu mais força.
Lemore cedeu um pouco fazendo com que Hankor se desequilibrasse com a pressão que exercia para baixo, e juntando toda a força que ainda restava em seu corpo forçou a espada em um arco para traz fez com que a arma do oponente saísse de suas mãos e caísse em direção as plantações de trigo lá em baixo. Antes que seu oponente se recuperasse do espanto e tentasse algo enquanto ele encontrava-se em uma posição vulnerável, Lemore chutou Hankor no peito que cambaleou para trás.
─ Acabou ─ Lemore falou ofegante enquanto se levantava ─ você está sem arma. Fique e morra como homem, ou corra e morra como um covarde.
─ Sua vista está cansada? ─ Hankor sorri nervoso tentando esconder o espanto de ter perdido seu machado para alguém caído, ele desembainha do sinto da espada um sabre curto. Quase comparável a uma faca de caça. Lemore gargalha.
─ Vai mesmo querer lutar com isso? De uma arma de bárbaro a uma de criança?
─ Para abater um meio morto ─ Hankor joga a faca de uma mão a outra testando o equilíbrio da arma ─ ela servirá.
Lemore recomeça a luta, sua espada longa agora é que tinha a vantagem, ele atacava de longe do alcance da faca de Hankor que só podia defender os golpes. Cima esquerda; baixo direita; um; dois; três. Lemore agora atacava de todos os lados, seu jogo de pés mudava da esquerda para a direita, e de novo para a esquerda desferindo golpes atrás de golpes, mas Hankor estava esquivando a todos. Lemore deu uma finta a esquerda e desceu a espada pela esquerda passando o fio do aço pela abertura do gorjal da armadura de Hankor que gritou de dor enquanto a espada mordia a carne. Lemore não desperdiçou a oportunidade jogou a espada para trás e a trouxe em um arco que atingiu o oponente no peito. O golpe fora com a base da espada, portando a armadura negra absorveu o impacto, mas Hankor teve que recuar quatro passos para trás.
Os dois se entreolharam por um momento. O sol a essa altura já havia se posto totalmente e as primeiras estrelas surgiam no céu. E os dois combatentes correram um na direção do outro. Ambos estavam de armadura de combate, mas não existe armadura que consiga parar o golpe certeiro da ponta de aço. Hankor sentiu primeiro, mas logo sua faca também penetrou a camada de aço da placa de peito da armadura de Lemore e os dois sentiram o aço frio penetrando o peito e perfurando o coração. Os dois homens sentiram o ar fugir de seus pulmões e o sangue quente do inimigo atingir-lhes a face.
Neste momento ele que observava tudo de um espelho, sentiu a falha em uma respiração, e sentiu algo no próprio rosto. E enquanto observava a lagrima rasgar o rosto, pensava quando é que ela iria virar sangue.           

domingo, 13 de setembro de 2015

Apenas abra seus olhos e veja.



Estou sentado sobe minhas pernas, já não as sinto, o chão é frio. Olho para as grades enferrujadas a minha frente, a cela fede. Ouço o som dos outros prisioneiros, todos famintos todos mortos.
Isto é a vida real? Ou é só fantasia? Não á jeito de fugir da realidade?
─ Poupe minha vida, desta monstruosidade! ─ ouço um dos prisioneiros gritar do fim do corredor. Em meio a um grito de agonia ouço águem desejar nunca ter nascido.
Estou sentado em uma sela, e agora me lembro como tudo começou.
O gato abriu seus olhos. Enormes olhos amarelos, não tinha nada de mais, olhos amarelos em padrões felinos. Ele lambeu seus bigodes, se espreguiçou e levantou.
Tudo era silencio, um silencio cheio de ruídos. Para o gato nenhum som fazia sentido, nem o próprio miado que saia de sua boca. Este gato era branco, não que soubesse disso, e era gordo também, mas tampouco disto tinha conhecimento. Tudo que precisava saber era que sua tigela estava cheia de leite, não que soubesse o que era leite.
O gato andou vagarosamente até sua tigela de leite, sorveu aquele liquido até ficar satisfeito então foi até a porta. Mas no meio do caminho deitou no tapete e ali voltou a dormir.
O gato acordou, abriu seus enormes olhos amarelos se espreguiçou. Suas garras arranharam o tapete. Seu dono balbuciava algo em sua cara. Ele tentava escapar mais era tarde de mais.
─ Quem é a coisinha mais fofa do mundo? ─ o homem falava, para o gato aquilo não fazia sentido, tudo que ele queria era sair dali, para ele nada realmente importava.
Depois de alguns minutos ele consegue fugir das garras do humano. O gato corre na direção da porta, mas algo lhe chama a atenção. Ele para. Aquele novelo de lã lhe parece muito atrativo. O gato assume sua posição de caçador, o corpo todo abaixado no chão, seu rabo a única parte dele que fica para cima, ele abana de um lado para outro. De vagar o gato se aproxima, as patas dianteiras cravando as garras no carpe. Ele solta um miado, e salta sobre sua presa, em poucos segundos o novelo está desfeito.
O gato crava suas garras na lã, desenrolando metros e mais metros dela, ele grita um grito selvagem que nem sabe por que tem vontade de soltar, crava seus dentes na lã engole um pedaço de lã e se afoga. Depois disto o novelo perde o interesse. Ela vai a tigela beber mais um pouco de leite.
Dorme. Abre os olhos, parece que nada mudou. Ele se espreguiça, desta vez chega a porta, e sai para fora.
O vento sopra, de qualquer maneira o vento sopra. O gato anda, por onde anda aquele silencio barulhento o acompanhava, mas na verdade não importava, nada mesmo fazia sentido.
O gato chegou até aquele ponto, o único ponto que por costume talvez, mas que sempre procurava quando queria fazer suas necessidades, uma pequena faixa de areia no meio do quintal.
Depois andou pela grama, o vento soprava, sentiu um cheiro, e começou a rolar no chão. Rolava de um lado para o outro, a grama fresca e seca lhe era prazerosa, ficou em silencio de barriga para cima fechou os olhos.
O sol estava quente, e o vento soprava. O gato abriu seus olhos e olhou para o céu e viu. Mas logo se esqueceu, afinal era um gato, ele fácil vem e fácil vai. Voltou a andar. De repente parou, um pássaro, um intruso em seu quintal. Novamente aquele extinto se apoderou dele. Seu corpo roçou o chão, seu rabo em riste. Seus olhos fixos na presa. Começou a se aproximar lentamente, mais perto. Mais perto. O pássaro nem imaginava o perigo que corria. O gato estava quase saltando quando uma borboleta passou por frente a seus olhos, e bom ele é um gato, fácil vem e fácil vai. Saiu correndo atrás da borboleta por todo o jardim.
O gato andava por cima da cerca. A cerca era de madeira ele ziguezagueava pelo meio das estacas de madeira, estava longe de casa, mas isso não importava.
─ Eu matei um homem. ─ alguém dizia, o gato ouvia, mas não entendia ─ coloquei uma arma em sua cabeça, puxei o gatilho e agora ele está morto!
─ Calma, calma. Nós daremos um jeito cara.
─ Não adianta, chegou a minha hora. Eles virão atrás de mim.
─ Não fala isso, nós vamos dar um jeito...
─ Não, pare. Eu não preciso de compaixão. Apenas vá embora, se eu não estiver aqui a esta hora amanha, siga em frente.
O gato voltou para sua casa. Estava cansado. Foi para a tigela, a ração estava lá, ele comeu. Dormiu. Acordou e foi para a janela. O gato ali ficou parado, ele olhava para o vidro, sem nada entender, afinal de qualquer maneira o vento sopra, menos por ali. Ele olhava para seu reflexo no vidro. De tempos em tempos tentava arranhar a imagem. Mas na maioria conseguia ignorar e ficava apenas olhando a rua.
Sons de carros, pássaros e o do rádio, ele não diferenciava nada disto. Mas sabia que depois da campainha do colégio aquelas criaturinhas passavam por ali e ficavam acenando, e gritando, mais sons que para ele nada significava.
Era noite, estava em cima do piano. Seu rabo seguia o ritmo da corda do relógio. Um movimento inconsciente. Em nada ele pensava. O gato ouviu um ruído, virou sua cabeça. E viu a pequena silhueta de um homem, seu dono se aproximando. O homem coçou entre suas orelhas. Sentou e começou a tocar.
─ ... Scaramouche!  Scaramouche! Você dançará ao fandango?
O gato levanta e sai. De repente aqueles sons. Raios e trovoes, realmente o assustavam. Ele correu para sua caixinha. Mas logo a tempestade passa e ele levanta. Vai até a tigela de leite. E ela está vazia.
“Galileo! Galileo!
Galileo figaro!
Magnífico, oh!”
Estes foram seus primeiros pensamentos. E hoje estou nesta cela e sou seu prisioneiro.    

“As aventuras de um tímido, do garanhão, da lésbica, do sensível e de sua amiga gótica” Season 01 Capitulo 33-34-35 Aventuras passadas.



07/09/15
-Nando-
A chuva cai torrencialmente lá fora, o frio chegou inesperadamente, ainda bem que é feriado, estamos todos na sala, Marcelo em um colchão de solteiro que trouxe para a sala, está de baixo do cobertor e com a cara inchada de tanto dormir.
Marlon está sentado no sofá acima de onde Marcelo está deitado, está com o cabelo bagunçado de regatas e um calção muito parecido com uma sirola, graças a deus ele está debaixo de uma manta.
Milena está ao lado de Marlon divide com ele a manta, está como sempre toda vestida de preto, sua camisa tem uma caveira desenhada em branco e um lassinho em vermelho onde deveria ser a orelha.
Eu estou meio deitado em outro sofá, Daiane está ao meu lado, todos assistimos ao desfile transmitido pela teve aberta.
─ De que adianta TV acabo se qualquer chuvinha faz com que o sinal caia? ─ murmuro, um trovão ribomba lá fora como se a chuva tivesse se insultado.
─ Mesmo que tivesse funcionando ─ Milena continua ─ trezentos e tantos canais e nós não íamos encontrar nada que prestasse mesmo.
─ Hei ─ Marcelo resmunga ─ não insultem a minha querida TV paga!
─ Sua?! ─ Daiane pergunta sarcástica, ele não responde, aposto que colocou em uso sua audição seletiva e preferiu não ouvir o que ela disse.
Ficamos por uns bons dez minutos em silêncio, olhando para tela da TV sem ver nada, apenas por fazer.
─ Tive uma idéia ─ eu começo a falar todos olham na minha direção em sincronia, um movimento quase cômico ─ estive pensando, quero dizer, faz tempo que tenho essa curiosidade, como vocês se conheceram? ─ eu pergunto.
─ Hum ─ Daiane murmura voltando a olhar para a TV.
─ Compartilhar histórias? ─ Milena amarra a cara ─ bom, não era bem o que eu tinha em mente para o feriado, mas ouvi falar que isso é algo que grupos de amigos fazem, pois bem eu topo.
─ Só por curiosidade, qual era o seu plano para o feriado? ─ Daiane pergunta.
─ Ah, sabe né ficar quietinha em um canto aproveitando o silencio ─ ela da de ombros, Daiane rola os olhos.
─ Uh-uh! ─ Marlon pula no sofá como uma criança entusiasmado ─ eu começo! Hã deixe me ver...
***
Lembrança 1: Ma-mah & Ane.
─ Banheiro feminino ─ eu leio em um sussurro, olho para o corredor da faculdade, está totalmente vazio, posso até figurativamente um rolo de palha seca rolando pelo piso, bato na porta ─ Olá? ─ falo ─ não se preocupem moças eu sou gay.
Abro a porta, então como se tivesse entrado em outra dimensão, sou levado por uma multidão de meninas saindo correndo aos gritos, depois que a ultima passa por mim em uma cadeira de rodas eu entro. Vejo que uma ultima moça fica lá dentro.
─ É, não se preocupe ─ falo meio sem jeito ─ não importa o que aquelas loucas gritaram ao sair, você não precisa se preocupar, como já disse sou gay e não um tarado pervertido ─ falo, a guria nem desvia o olhar do espelho está retocando o batom, não espero por uma resposta minha bexiga me lembra do por que estou ali com uma pontada e eu corro para a privada. Ao sair vejo que a guria ainda está de frente ao espelho, agora passa sombra ao redor dos olhos.
Vou lavar as mãos e durante todo o tempo ela não fala nada. Então minha paciência acaba.
─ Desculpe ─ começo ─ mas por que você não saiu correndo também?
Ela me olha pelo espelho, sem falar nada ela vai até as portas fechadas dos banheiros e as abre, depois que se certifica de que estamos sozinhos ela volta para o espelho.
─ Eu também sou gay ─ ela da de ombros.
Mintira ─ eu quase grito ─ como é que nunca nos vimos por ai! Você não costuma freqüentar os barzinhos por ai? Ou sei lá exposições de arte... ou...
─ Não ─ ela fala calmamente retirando o excesso de batom do quanto da boca ─ prefiro jogar bola.
─ Cruzes! Que tipo de gay é você? ─ pergunto mexendo na bolsinha de produtos de beleza que está em cima da pia.
─ Do tipo que gosta de meninas hora ─ ela dá de ombros ─ sou lésbica Dã!
─ Ah sim ─ falo.
─ E por que em sã consciência você está usando o banheiro das meninas? ─ ela pergunta.
─ Bom os garotos não gostam que eu use o mesmo banheiro que eles ─ falo ─ ficam intimidados quando não consigo desviar o olhar do... sabe ─ ela me olha incrédula.
─ Você não sabe disfarçar não? ─ ela pergunta olhando diretamente para mim.
─ E você não saiu do armário ainda? ─ pergunto tentando mudar de assunto.
─ Não aqui, da onde se é louco? ─ ela sorri maliciosa ─ e ter que usar o banheiro dos homens ao invés de ver um desfile particular de beldades de roupas intimas?
─ Ah, inteligente ─ murmuro.
─ A propósito, sou Daiane! ─ ela estende a mão ─ pode me chamar de Ane, faço dança, e você?
─ Marlon ─ respondo apertando a mão dela, “aperto forte” penso ─ ou Ma-mah, eu odeio, mas você vai acabar descobrindo de um jeito ou de outro, faço teatro.
                                               ***
 ─ Eu sabia! ─ Marcelo grita quando Marlon termina ─ sabia que você ficava me espiando no vestiário do clube!
─UUUIIII! ─ Marlon grita deitando no sofá tão exageradamente que quase cai no chão ─ abana! Abana! ─ ele começa a se abanar com as mãos.
─ O que foi? ─ Milena pergunta o segurando pela camisa ─ você está bem? ─ Milena começa a abaná-lo também.
─ Marcelo ativou minhas melhores lembranças ─ ele se endireita no sofá ─ ui ─ suspira por fim, Milena o acerta com a almofada.
─ Próximo?  Ane? Como é que você conheceu o Marcelo? ─ pergunto.
─ É mesmo ─ Marlon concorda ─ desde que te conheço você carrega ele pra cima e para baixo, não que eu esteja reclamando ─ ele estremece ─ ai... mais lembranças.
─ Cara eu estou me sentindo invadido! ─ Marcelo murmura saindo do colchão e indo se sentar ao lado de Daiane, o sofá fica apertado Daiane, passa os braços em volta do meu pescoço.
─ Promete que não vai usar tudo isso para escrever um livro depois? ─ ela pergunta.
─ Prometo não citar nomes! ─ eu respondo.
***
Lembrança numero 2: Ane & Marcelo.
Eu tinha ido com uma amiga aquela festa, não conhecia ninguém além dela. Haviam umas dez pessoas, alem de nós, a festa rolava normalmente, até que o anfitrião já alterado por algumas doses derrubou toda a sua bebida em mim, encharcando minhas roupas.
Eu tinha dado uns tapas no cara para me sentir melhor, então Marcelo chegou, logo que me viu identificou um alvo, soube disso por que ele fez o mesmo olhar que eu dava quando encontrava uma presa em uma balada.
Resolvi brincar com ele um pouco, durante a noite inteira ele me cantou, no inicio minha amiga que já o conhecia disse que eu estava namorando e que era fiel, ele não desistiu, ela não revelou que eu era lésbica, e quando percebeu o que eu estava fazendo, nos deixou a sós.
No fim da noite, quando ele estava no ponto onde considerava tudo acabado, eu revelei que era gay e que não estava nenhum pouco interessada nele.
                                               ***
─ Daquele momento em diante nós viramos rivais para todo o sempre ─ Marcelo falou concordando com a história narrada por Daiane, os dois bateram as mãos se cumprimentando ─ quando conheci a Ane, ela e Marlon já eram amigos então ele veio junto no pacote ─ Marcelo falou evitando olhar para Marlon.
─ Bom ─ Milena começou depois ─ eu podia contar de como cheguei ao prédio, mas realmente não estou com vontade, e como vocês todos com exceção do Fernando já sabem, vou fazer um resumo.
“ Eu já conhecia o Marlon, nós estudamos juntos no colégio, ele que me indicou o meu apartamento aqui no prédio, quando me mudei esses dois abutres ─ ela falava olhando para mim, e indicou Daiane e Marcelo ao falar ─ caíram em cima de mim como se eu fosse um animal morto, foram o que? ─ ela parou olhando para Marlon ─ dois meses até que eles desistiram não foi?”
─ Mais ou menos ─ Marlon concorda ─ primeiro foi o Marcelo ─ ele continua ─ foi engraçado, ele também tentou de tudo com você, é claro que eu como bom amigo que sou já tinha avisado a você sobre o que ele era...
─ Salaflário você me dizia que não tinha falado nada sobre nós ─ Marcelo reagiu irado.
─ Depois de desistir ─ Marlon continuou ignorando Marcelo ─ Ele chegou para a Ane e disse: “Ela é das suas, só pode” ─ Marlon imita o tom da voz de Marcelo ao dizer ─ depois foram mais umas semanas das tentativas de Daiane, eu dizia para a Mih que eu tinha contado para os dois que ela era assexuada ─ ele começou a esfregar a mão como um vilão de filme antigo contando seu plano maligno ─ mas não contei nada ─ ele começa a sorrir ─ mas no fim foi a Milena mesmo que contou, e acabou com a minha diversão.
Todos ficaram quietos por um bom tempo, então Daiane quebrou o silencio.
─ E vocês dois? ─ ela perguntou.
─ Quem? Eu e o Marcelo? ─ perguntei.
─ É ─ ela concorda.
─ Hora nós somos primos, então nós conhecemos ainda crianças ─ eu respondi.
─ Bom você era criança eu já era quase homem feito ─ Marcelo interrompeu.
─ Você é só quatro anos mais velho do que eu! ─ eu falo para ele.
─ É verdade ─ Marlon concorda com Daiane ─ vocês devem ter um monte de histórias de infância.
─ Na verdade não ─ eu falo.
─ É, não... ─ Marcelo concorda indiferente.
─ Ah, qual é? ─ Daiane nos pressiona ─ vocês se conhecem desde sempre, alguma história vocês devem ter.
─ Não, é sério, não me lembro de... ─ eu começo, Marcelo começa a rir consigo mesmo.
─ Bom tem aquela vez ─ ele começa ─ que eu fiz você brigar com o seu melhor amigo ─ ele fala eu o olho sério.
─ Do que esta falando? ─ pergunto.
─ Daquele que morava na esquina da sua rua lá como era mesmo o nome?
─ O Diego? ─ pergunto sem certeza.
─ Acho que sim, se lembra daquele dia que nós estávamos brincando de jogar pedras para o alto, e vê-las cair? ─ ele pergunta.
─ Aham ─ concordo ─ era sim, o Diego aquele idiota jogou a pedra na minha direção ─ ele gargalhou.
─ É, bom acontece que fui eu que taquei a pedra para ver se você iria gritar muito ─ ele fala ─ e não é que você gritou como uma menininha.
─ Também seu... ─ eu começo a gritar com ele.
─ Espere um pouco ─ Milena me interrompe ─ Por que raios vocês estavam jogando pedras para o ar? Tipo... qual é o sentido nisso?
─ Nós éramos crianças! ─ eu e Marcelo falamos em uníssono ─ é isso que pia faz quando é pequeno ─ eu continuo como se isso fizesse muito sentido.
─ Tai ─ Daiane fala ─ nunca vou entender a cabeça de vocês!
─ Que tipo de Gay é você? ─ Marcelo fala com as mãos acima da cabeça igual ao meme do Jack Chan.
─ Desculpe, acho que nesta parte fui menina ─ ela responde.
─ Nossa, tenho muito dó de você Nando ─ Marlon começa ─ o quanto esse crápula não se aproveitou de você?
─ Bom... ─ eu começo querendo me vingar de Marcelo ─ teve uma vez que ele não conseguiu.
***
Lembrança numero 3:
Marcelo 1 vs 1 Nando
Eu, Marcelo e um outro guri (não me lembro o nome deste) estávamos na frente da casa de Marcelo.
─ Vamos jogar bola! ─ Marcelo está chutando uma bola velha de couro no muro da casa, eu e o outro guri estávamos jogando em um vídeo game portátil logo ao lado.
─ Não, nós estamos quase chegando no chefão! ─ eu murmuro de volta, eu tinha seis anos Marcelo dez.
─ Ah! ─ Marcelo começa a resmungar com ele mesmo.
Eu e o outro guri estamos vibrados na mini tela do mine vídeo game, quando ouvimos um chute depois o som de vidro se estilhaçando. Eu desvio o olhar do vídeo game, Marcelo estava com os olhos arregalados maxilar rangendo, as mãos se agitando em frente ao corpo. O outro guri e eu estamos com as gargalhadas cavalgando pela garganta.
─ Shiii ─ Marcelo se senta ao nosso lado ─ pode ser que ela não escutou...
─ MARCELOOOOOO!!!! ─ minha tia grita da lavanderia da casa.
─ Não fui eu manhe ─ ele grita de volta ─ Foi o Nando!
***
─ Foi muito bom ver você levar aquelas palmadas ─ eu falo para ele.
─ Se aquele miseravélzinho que se dizia meu amigo não tivesse me entregado ─ ele resmunga ─ já que você lembrou dele, por que não contar daquela vez da tempestade? ─ ele fala sorrindo maroto.
***
Lembrança numero 4:
Marcelo 2 vs 1 Nando
No mesmo ano, o rapaz (também não consigo me lembrar dele) estava ali também, estávamos na casa de Nando desta vez, a casa tinha na parte de trás uma espécie de sala fechada que sei lá qual era a intenção do vovó quando construiu aquele lugar, mas naquele dia ele era um oceano.
Tínhamos colocado uma rede de uma parede a outra, a rede estava podre de tão velha, mas criança não vê perigo.
─ Todos abordo! ─ Nando está sorrindo com um chapéu de jornal torto na cabeça, o outro guri pula para a rede, os dois começam a balançar a rede, as cordas rangiam no gancho ─ é uma tempestade marujos! ─ ele gritava, e a rede balançava ─ Vem! ─ Fernando me chamou ─ Homem ao mar! ─ gritou, eu pulei para dentro da rede onde os outros dois estavam.
─ Olha a tempestad... ─ eu comecei a gritar, quando as cordas cedem.
***
─ Eu lembro que cai em algo macio ─ ele termina rindo.
─ É por que você caiu em cima do guri lá, e ele em cima de mim ─ falo reinando ─ eu é que parti a cabeça naquele concreto puro que tinha lá em casa, ainda tenho a cicatriz ─ falo passando a mão no topo da cabeça.
─ Espere um minuto ─ Marlon começa ─ vocês estavam em trenzinho em uma rede? ─ ele fala, eu e Marcelo olhamos para ele de cenho franzido ─ UIIIII, ABANA!
─ Que foi agora? ─ Milena começa a abanar.
─ Imaginação! ─ Marlon começa a falar.
─ E a vez que eu te fiz ficar em coma? ─ Marcelo recomeça a falar, Daiane sente os ânimos se acirrarem e sai do sofá indo se sentar no colchão que a pouco tempo Marcelo estava, os três olham de mim para Marcelo como se estivessem acompanhando uma partida de ping pong.
─ Não me lembro disso, você sabe que a proposta era as histórias serem verdadeiras não é? ─ falo para ele.
─ Mas essa aconteceu ─ ele responde seguro de si.
─ Eu só fiquei na UTI uma vez na vida, e foi... ─ ele começa a fazer que sim com a cabeça e seus olhos brilham de uma maneira psicótica.
***
Lembrança numero 5
Marcelo 3 vs 1 Nando
─ Oi tia! ─ eu cumprimento a mãe de Nando que esta na área da casa regando as flores.
─ Oi querido ─ ela responde ─ como é que você está? ─ ela pergunta.
─ Bem ─ respondo.
─ E a vovó? ─ ela continua, eu tinha dezesseis anos, neste tempo eu estava morando com a vovó Cris.
─ Bem também ─ respondo ─ o Nando está? Ele pediu para que eu passasse aqui.
─ Ele não chegou ainda ─  respondeu minha tia ─ foi dar uma volta com o presente de aniversario dele ─ ela sorriu.
─ Aé, é aniversario dele, bem que a vovó me falou ─ eu minto, nem sabia, muito menos a vovó ─ bom eu vou indo então, outra hora eu passo por aqui, diz para ele que eu passei por aqui?
─ Pode deixar ─ ela responde.
Eu me viro e começo a se afastar da casa, ando uma quadra quando ouço o grito de Nando.
─ Hei Primo! ─ ele grita do topo da subida que a rua fazia, era uma ladeira tão íngreme que quase que quem a subia tinha que fazer isso de pé ─ ta vindo carro ai?
Eu olho para um dos lados da esquina em que me encontrava, não vinha nada, olhei para o outro.
─ Não!... ─ gritei a resposta e fiz uma pausa para a piada ─ Ta vindo um Uno!
Tudo pareceu em câmera lenta, Nando não tinha esperado eu completar a frase e montou na bicicleta nova, as fitas do embrulho ainda balançavam ao vento amarradas no guidão, vi o grito de UHUU! Dele entalando na garganta e a face transbordando de terror.
Foi quase que cronometrado, o carro chegou na esquina ao mesmo tempo em que a bicicleta do Nando, ele afundou na lataria do carro, sangue para todo lado, o motorista gritando aterrorizado depois de recobrar os sentidos.
Eu olhei para um lado, depois para o outro, e atravessei a rua em segurança e assoviando fui para a casa.
***
─ Eu quase morri naquele dia! ─ gritei irado, Marcelo deu de ombros.
─ Pelo menos eu não menti, só estava vindo um uno Horas!
Todos na sala estavam em silencio, eu podia sentir minha face vermelha, de raiva, estava a ponto de pular no pescoço dele, mas então uma lembrança me atingiu como um raio, e eu comecei a gargalhar em histeria, esta lembrança me renderia pelo menos uns dois pontos em nosso embate.
─ Você por um acaso sabem da história do ladrão? ─ pergunto para os outros três.
─ Não se atreva ─ Marcelo arregalou os olhos ─ ou eu conto o que você fez a umas semanas atrás em dalas.
─ Sabe ─ eu começo tomado pelo desejo de vingança ─ gosto de imaginar essa história com a musica da fases subterrâneas do super Mario ao fundo.

***
Lembrança numero 6
Marcelo 3 VS 3 Nando
TAN
 TANANANANA NANAN
Delegacia de Bituruna-PR  Há muito tempo, as duas da madrugada.
O telefone toca, o oficial em serviço acorda em um susto. O soldado Pimpão fora transferido para aquela cidadezinha há poucos dias, viera da capital, então aquilo para ele era um estado permanente de férias, era seu primeiro plantão noturno, e o telefone tocava.
─ Delegacia de policia boa noite, Soldado Pimpão falando, qual é a emergência? ─ ele atende com uma voz rouca.
─ É... alô é da policia? ─ a voz do outro lado da linha fala sem graça, a voz de um rapaz, pela voz não mais do que dezessete anos.
─ Foi o que eu falei, quem está falando? ─ pergunta o soldado ríspido, odiava falar ao telefone.
─ Bem ─ a voz continua, mas faz uma pausa.
─ Pelo amor de deus, se isso não for um trote fala logo cidadão ─ o oficial resmunga mais ríspido ainda.
─ Não, não é um trote não senhor ─ continua a voz apavorada ─ é que, bem eu não sei como falar, é meio complicado, eu não sabia para quem ligar... Ai, Ai.
─ Desembucha logo guri.
─ Está bem, bom... um amigo meu disse que ia ir roubar uma betoneira em uma construção ─ a voz começa a falar ─ e eu como um cidadão de bem, honesto e integro que sou, vim impedir ele... ─ outra pausa ─ mas acontece que quando nós estávamos carregando a betoneira ela virou na minha perna, bom... meu amigo se apavorou quando viu o sangue e saiu correndo, e bem... ─ um suspiro rouco ─ eu fiquei meio que preso aqui ─ a voz termina de falar, o soldado não responde nada ─ bom não sei, o senhor podia, sei lá, mandar alguém aqui para me ajudar? ─ pergunta por fim, o soldado pigarreia.
─ Bom qual é o endereço ai? ─ pergunta.
─ Não sei direito, é Rua Ipiranga, não sei o nome, é perto da igreja... ai.. ai...
─ Está bem, vamos ver se temos alguma viatura na redondeza, não saia dai ─ finaliza o soldado desligando o telefone.
─ Ouvi o telefone ─ outro policial entra na sala ─ alguma ocorrência? ─ soldado pimpão fica olhando para o telefone, depois para o colega depois para o telefone novamente então para o papel com o endereço.
─ É, uma pessoa ligou disse que está neste endereço, parece que foi roubar uma betoneira e a maquina virou na perna, será que devemos mandar averiguar?
─ O que? Não, é que você é novo por aqui, isso deve ser trote, acontece muito por aqui.
TAN...
 TANANANANA NANAN
Dez minutos depois...
TAN ...
 TANANANANA NANAN
O telefone toca novamente.
─ Delegacia, Soldado Pimpão falando ─ atende o policial.
─ Oi, sou eu de novo, só pra saber se o senhor já mandou alguém aqui ─ responde a voz ─ é que não querendo apresar o serviço de vocês, mas é que minha perna já está ficando rocha e... eu acho que estou começando a desmaiar.
─ Fique calmo rapaz, a ajuda já esta a caminho ─ respondeu o oficial.
─ Ah, ta, muito obrigado senhor, boa noite.
TAN…
 TANANANANA NANAN
O oficial desliga o telefone.
─ Viu nogueira, o cara da betoneira ligou de novo, disse que a perna ta ficando roxa, não era o caso de alguém ir verificar?.
─ Bom, se quiser ir pode ir cara, mas vai perder a viagem.
TAN
 TANANANANA NANAN
***
─ Sim o cara da betoneira era o Marcelo ─ terminei de contar a história, os outros três me olham incrédulos de boca aberta, Marcelo está vermelho ─ por isso que o Marcelo é o mais branco da família, a mãe dele deu uma surra nele tão bem dada naquele dia que ele chegou a descolorir.
─ Você foi avisado! ─ Marcelo levantou gritando ─ eu estava com a intenção de levar esse seu segredo para o tumulo, mas você pediu! ─ eu olhei nos olhos dele, e vi ali verdade, ele ia mesmo contar, meus olhos correram para Daiane, que olhava para Marcelo.
─ Não cara ─ falo olhando de novo para Marcelo ─ não faz isso, por favor.
─ Ta ai, o que pode ser mais vergonhoso do que acabamos de saber... heim ladrão! ─ Milena fala em tom de chacota, meu primo olha para ela irado, e fala apontando para mim, eu olho para Daiane preparando minha defesa.
─ Ele ficou com um travesti! ─ Marcelo fala, eu olho depressa para ele.
─ Cara, as histórias deveriam ser verdadeiras! ─ falo.
─ Mas isso é verdade ─ ele sorri com malicia ─ é claro que você não iria se lembrar, pois tava caindo de bêbado, mas nosso querido amigo Ma-mah pode confirmar tudo ─ ele fala.
─ De novo o álcool? ─ Milena fala ─ é sério pessoal vocês bebem demais.
─ Vamos Marlon conte a ele! ─ Marcelo fala, eu o olho suplicante, Marlon fica em silencio, sua respiração se acelera ao sustentar meu olhar.
─ Grandes coisas ─ falou ele ─ temos um Gay e uma Lésbica aqui ─ ele fala ─ eu não me importo com isso, você? ─ ele pergunta para Daiane.
─ Eu... ─ ela me olha espantada ─ para mim também não ─ ela fala indiferente por fim.
─ Bom, eu tenho uma pergunta ─ fala Milena tão indiferente quando Daiane ─ das histórias que vocês contaram, o Marcelo quase matou você meia dúzia de vezes quando era criança! ─ ela olha de mim para Marcelo ─ por que em sã consciência veio morar com ele depois de adulto? 
─ Eu... hã...
Começo a gaguejar, simplesmente a resposta não me vinha, eu olhei para Marcelo que já tinha se acalmado tinha sentado na minha frente estava com os braços cruzados.
Foi ali que outras lembras me vieram a mente...
Da vez que ele me salvou de morrer afogado, quando eu pulei de um trampolim em uma piscina de mais de dois metros de profundidade, eu tinha cinco anos, não sabia nadar, mas via pessoas pulando daquele lugar e se divertindo ai pensem por que não?... Marcelo me tirou da água eu já estava quase desmaiando...
Lembrei de quando eu não entendia a matéria de matemática do colégio e iria ter prova no outro dia, Marcelo passou a noite me ajudando, líamos e relíamos as paginas do livro, fazíamos exercícios e refazíamos os que já estavam no caderno, eu levei bomba naquela prova mesmo assim, mas o que vale é a intenção.
Dos biscoitos de chocolate que ele deixava no meu quarto das vezes que ficava na minha casa, dizia que afastava os pesadelos, mas eu sabia que era por que minha mãe não deixava eu comer chocolate e ele achava um absurdo.
Da vez que eu estava apanhando de um grupo de meliantes do colégio, e Marcelo apareceu para me ajudar... ajudar a apanhar, mas novamente, o que vale é a intenção.
─ Ah ─ eu começo a falar, sinto os olhos de todos em mim ─ ele foi meu primeiro amigo, ele é mais do que um primo, ele é um irmão mais velho que eu nunca tive... Eu amo ele.
Posso ouvir alguém fungando, aposto que Marlon esta chorando. Marcelo se levanta, ele sorri.
─ Eu também cara ─ ele me abraça ─ se eu não fosse eu, também iria querer ser meu irmão.
Eu o abraço de volta, sei que esse é o jeito de Marcelo dizer eu te amo, os outros vem se juntar ao nosso abraço.
─ Nossa, isso daria um livro não? ─ Marlon fala depois de um momento.
─ Um livro nãos sei ─ eu falo ─ mas na certa uma boa história.
─ Hei ─ Ane se separa de nosso abraço ─ mas lembre-se, nada de citar nomes moço! ─ ela ri, Marlon também se solta do abraço.
─ Nada disso! ─ ele fala com as mãos na cintura ─ se eu estiver na história quero que meu nome tenha um destaque!
─ É ─ Milena vai para o sofá ─ eu também não me importaria.
─ Eu também não ─ Marcelo fala ─ seria um desperdício se meu nome não ficasse gravado para a história.
─ Pode deixar Ane ─ eu falo a abraçando ─ seu desejo será respeitado!