domingo, 13 de dezembro de 2015

Der Seemann.




E
stou tão sozinha. Eu sinto frio, minha barriga dói, dói tanto, só não dói mais do que minha cabeça. Mas essas não eram as piores dores. Sentir-se sozinha ainda doía mais.
Estou casada, e molhada. Estou à deriva no imenso mar de água salgada agarrada a um pedaço de madeira para não afundar. Já chorei tanto que passo a achar que aquela imensidão azul se encheu só com as minhas lágrimas.
Estou tonta e enjoada pelo balanço continuo das ondas. Agarro-me ao pedaço de madeira com todas as forças que me restam, muito embora não sejam tantas, temo afundar a qualquer momento. Mas quase não me importo com isso, quase anseio por isso.
Não sinto mais minhas pernas. Minhas mãos além de casadas doem, a madeira a qual seguro era repleta de farpas que machucavam minhas mãos, mas eu a adorava. Eu amava aquele pedaço de madeira, afinal ele já estava comigo há tanto tempo, já havia passado tanta coisa com ele, além do que tinha lutado muito para consegui-lo. Eu estava mais sozinha antes dele, agora ele era minha única companhia. Mas mesmo assim segurá-lo me cansava.
Estava frio, e eu estava faminta. Uma parte de mim queria que eu afunda-se a outra agarrava com força a madeira. Vi o céu se aproximar e então descer, demorei a entender, que tinha sido uma enorme onda que passará por mim.
 Minha cabeça doía, havia uma parte dela me torturando, e eu estava enjoada. Mas aquela outra dor que sentia era a que mais doía, afinal eu estava sozinha. Aquela dor era pior por que não passava. Não importava o que fizesse ou quanto tempo passa-se a dor perdurava, essa dor era na minha cabeça. Essa dor era no meu peito, onde ela me sufocava, onde as vezes fazia ficar difícil respirar. Essa dor era na barriga, onde parecia chegar até as tripas como agulhas, agulhas geladas, pois meu estômago revirava como se ali estivesse um vento frio, um vento como o de outono. E também meu corpo, não o físico, mas aquele que parecia ter no meu interior, talvez fosse aquilo que outros chamassem de alma, bom não sei, mas ela doía profundamente. Era como se eu não tivesse forças para nada. Essa era a dor de se estar sozinha.
Eu queria descansar, e percebi que estava começando a afundar, e o pior não me importava...
─ Hey! ─ ouvi uma voz rouca ao meu lado, me assustei afinal estava sozinha. ─ Você por um acaso não é a morena de sotaque engraçado?
─ Olha? ─ eu pude sussurrar, olhei para a direção da voz, e identifiquei a figura de um barco, ele era pequeno, pouco maior que um bote, o casco era marrom de uma madeira velha. E no mastro tremulava uma vela, uma vela esfarrapada de cor negra. No convés de frente para mim estava um homem. Ele era velho, tinha ralos cabelos brancos uma barba mal feita de um castanho virando branco, seu rosto era velho e abatido, seu sorriso era cansado, seus olhas eram de duas cores, o da direita verde, o da esquerda castanho. Eles estavam tristes, me deram medo, mas eu sentia um pouco de afeto na maneira como ele me fitava ─ Não, sinto muito, acho que não sou.
─ O que faz aí sozinha? ─ ele me pergunta se apoiando em uma vara enorme que deveria ser seu cajado isso fazia ele parecer ainda mais velho.
─ Não sei, estou a deriva... acho.
─ Hm ─ o velho coça a cabeça depois a barba ─ Venha para o meu barco ─ ele me chama.
─ Hã? ─ respondo perdida me agarrando ao meu pedaço de madeira ─ não obrigada ─ ele me olha intrigado depois olha para o horizonte. ─ Venha, uma tempestade se levanta. E a noite se aproxima, vamos! Venha para o meu barco, você não precisa ficar aí sozinha. Aonde você vai assim tão sozinha? Eu me pergunto,  levada embora pela correnteza com certeza, venha entre no meu barco.
─ Já disse que não, desculpe, estou segura, tenho esse pedaço de madeira, ele já me ajudou muito e ainda me ajuda.
─ Você quem sabe, mas parece estar tão sozinha. Responda-me, quem segurará sua mão? Quando isso - ele indica minha madeira com o queixo barbudo ─ te afundar? ─ aquilo me encheu de raiva.
─ Para onde você vai? Marinheiro. Neste interminável mar gelado?  ─ minha pergunta o deixou assustado.
─ Não sei... ─ respondeu honestamente o homem do mar ─, mas a quero aqui, venha para o meu barco.
─ Por que eu faria isso? ─ perguntei, neste momento a madeira se virou e eu mergulhei na água, quase não consegui voltar, mas então senti duas mãos em meus ombros, o marinheiro me puxava para a superfície. Quando emergi  me desvencilhei de seu toque e lutei para chegar ao meu pedaço de madeira.
─ Desculpe, não queria te assustar, e não quero fazer-te mal, quero ajudar-te.
Eu senti verdade em sua voz, uma parte de mim queria ir com ele, à outra queria que eu ficasse agarrada a madeira, qual era a parte boa ou a má eu não sabia, estava muito confusa.
─ Responda-me, oh marinheiro, por que deveria ir com você? ─ perguntei, ele ficou em silêncio por um instante, um trovão ribombou no horizonte e ele começou a falar.
─ Venha para O meu barco... O vento de outono mantém as velas dele firmes, você não precisara se cansar em remar. Eu posso ver, um futuro em que você fica em um farol com lágrimas nos olhos, mas essas não seriam de tristeza. À essa hora o dia se inclina e o vento de outono varre a vida das estrelas. Eu sei que a luz do entardecer persegue as sombras, veja para mim o tempo está parado e o outono logo chegará! 
─ Você é muito filósofo meu caro Marinheiro e eu não entendi uma só palavra do que disse, diga-me por que iria com você, já que também não sabe para onde vai?
─ Venha para O meu Barco, pois sim eu não sei para onde vou, afinal não tenho  nenhum timoneiro  que não a saudade, se você não vier continuará sendo assim, mas se você vier você se tornará meu timoneiro, e juntos acharemos um caminho. Não posso prometer que será mais seguro em meu Barco, afinal sempre a uma tempestade, mas meu Barco me parece que iria agüentar melhor do que a esse pedaço de madeira seu. Veja houve um tempo em que o melhor marinheiro era eu, quem sabe eu volte a ser?
Sim eu queria ir, mas não podia, aquela parte que me segurava a madeira era muito forte, e eu tinha medo de confrontá-la.
─ Não ─ eu respondi ─ vou ficar bem aqui.
─ Bom se é assim que quer ─ ele endireita a postura com uma das mãos nas costas como para aliviá-las de alguma dor ─ não posso a forçar a nada, e bom você bem pode ver que estou velho e cansado de mais, não posso lutar por você, você tem que me ajudar para que eu possa lhe ajudar. ─ Ele responde e começou a remar com a sua vara, uma parte de mim queria gritar para que ele voltasse, ou que ele ficasse mais um pouco. Ou insistisse mais um pouco, mas também não podia o obrigar a nada, e ele parecia tão cansado, e eu não queria ser mais um problema para ele. No fim só fiquei o olhando partir. Uma névoa aos poucos escondia o barco, tinha a sensação de que ele remava para o caminho errado, afinal ele ia de encontro a tempestade, eu queria dizer algo, mas não disse.
No fim só ouvi sua voz rouca cantando alguma canção do mar enquanto o barco desaparecia, algo que de início não estendia:
"... Wo Willst du Hin....
 No fim eu fico sozinho... o tempo está parado e eu sinto tanto frio....
frio....
frio...".

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